Novas regras na gestão de resíduos
Entrou, hoje, em vigor, dia 1 de julho de 2021, o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, que aprova o regime geral da gestão de resíduos, o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro e altera o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos.
O referido diploma transpõe para a ordem jurídica nacional as Diretivas (UE) 2018/849, 2018/850, 2018/851 e 2018/852.
Com especial relevância para os setores do comércio, turismo e restauração, o Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, estabelece o seguinte:
A. Disponibilização de sacos de caixa
É proibida a disponibilização gratuita de sacos de caixa, isto é, sacos com ou sem pega, incluindo bolsas e cartuchos, feitos de qualquer material, que são destinados a enchimento no ponto de venda para acondicionamento ou transporte de produtos para ou pelo consumidor, com exceção dos que se destinam a enchimento no ponto de venda de produtos a granel.
A violação desta regra constitui a prática de uma contraordenação ambiental grave, punível com coima que, em caso de negligência, pode ir de €12.000 a €72.000 e, em caso de dolo, pode ir de €36.000 a €216.000, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais.
B. Disponibilização de sacos de plástico
Cabe aos agentes económicos inseridos na cadeia comercial responsáveis pela disponibilização de sacos de plástico no ponto de venda, o seguinte:
- Promover ações de sensibilização junto dos consumidores finais para a redução da utilização de sacos de plástico, principalmente de sacos de plástico leves e de uso único, e para a utilização de meios alternativos aos sacos de plástico leves, assim como para a sua reutilização;
- Promover, junto dos consumidores finais, práticas de deposição seletiva dos sacos de plástico não passíveis de reutilização, tendo em vista a sua reciclagem;
- Disponibilizar aos consumidores finais embalagens alternativas de carregamento e transporte reutilizáveis e mais sustentáveis que os sacos de plástico leves, a preços acessíveis; e
- Os agentes económicos inseridos na cadeia comercial responsáveis pela disponibilização de sacos de plástico no ponto de venda podem efetuar a marcação, nos sacos de plástico impressos, de mensagens de sensibilização para a redução do consumo de sacos de plástico leves e promoção da utilização de sacos reutilizáveis.
Em matéria de contribuições sobre os sacos de plástico, o Decreto-lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro – que determinou a proibição da disponibilização gratuita de sacos de caixa acima mencionada –, apenas veio prever um regime de isenção de contribuições relativamente aos sacos de plástico muito leves (contrariamente ao que sucede em relação aos sacos de plástico leves) e regras sobre faturação, indicando que elementos devem constar obrigatoriamente das faturas e que são os seguintes:
a. A designação do produto como «saco de plástico leve» ou «saco leve»;
b. O número de unidades vendidas ou disponibilizadas; e
c. O valor cobrado a título de preço, incluindo a contribuição devida.
Quanto ao demais, mantém-se em vigor o anterior regime relativo a contribuições sobre sacos de plástico previsto na Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, na sua redação atual.
C. Disponibilização de água da torneira
Nos estabelecimentos do setor dos empreendimentos turísticos, alojamento local e estabelecimentos de restauração e bebidas, é obrigatório manter à disposição dos clientes um recipiente com água da torneira e copos higienizados para consumo no local, de forma gratuita ou a um custo inferior ao da água embalada disponibilizada pelos estabelecimentos.
D. Utilização de recipientes disponibilizados pelos clientes
Os estabelecimentos que forneçam refeições prontas a consumir em regime de pronto a comer e levar são obrigados a aceitar que os seus clientes utilizem os seus próprios recipientes, devendo comunicar de forma clara essa possibilidade fornecendo a informação necessária.
Os clientes são responsáveis por assegurar que as suas embalagens não são suscetíveis de colocar em risco a segurança alimentar.
As embalagens devem apresentar-se adequadamente limpas e higienizadas e ser adequadas ao acondicionamento e transporte do produto a ser adquirido.
Os estabelecimentos podem recusar embalagens que considerem ser suscetíveis de provocar deterioração dos alimentos e/ou representar um risco de contaminação.
O diploma em apreço pode ser consultado na sua íntegra aqui.
Martim Pita Negrão
Sócio
Inês Matoso
Advogada Associada do Departamento de Fiscal
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
“A Tributação da Moeda Virtual em Portugal”
Irina Sena, Advogada Associada da SMFC, publica obra sobre “A Tributação da Moeda Virtual em Portugal”. Esta obra aborda a posição que a criptomoeda ocupa no panorama português atual, incluindo o enquadramento fiscal aplicável.
Esta obra foi publicada pela Almedina.
Medidas de apoio fiscal: suspensão dos processos de execução fiscal entre 1 de janeiro e 31 de março de 2021
O Decreto-Lei n.º 6-E/2021 de 15 de janeiro veio prever algumas medidas de apoio fiscal, determinando a suspensão, entre 1 de janeiro e 31 de março de 2021, de:
- Processos de execução fiscal em curso ou que venham a ser instaurados pela Autoridade Tributária, segurança social e outras entidades;
- Planos prestacionais em curso, sem prejuízo de estes poderem continuar a ser pontualmente cumpridos.
Enquanto vigorar a suspensão prevista no referido Decreto-Lei, a Autoridade Tributária fica impedida de:
- Constituir garantias, nomeadamente penhores, nos termos do artigo 195º do CPPT; e
- Compensar os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário, nas suas dívidas cobradas pela administração tributária, nos termos do artigo 89º do CPPT.
A suspensão prevista neste Decreto-Lei determina ainda:
- A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos no âmbito das execuções em curso ou instauradas no período em referência;
- A anulação de todas as vendas em curso, no âmbito dos processos de execução fiscal.
São igualmente suspensos, entre 1 de janeiro e 31 de março de 2021, os planos prestacionais em curso por dívidas à segurança social fora do âmbito dos processos executivos, sem prejuízo de estes poderem continuar a ser pontualmente cumpridos.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Inês Matoso
Advogada Associada do Departamento de Fiscal
Alteração à lista dos paraísos fiscais
Por publicação da Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro, foi alterada a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, tendo Andorra sido excluída da referida lista, deixando de ser considerada como tendo um regime de tributação privilegiada.
A Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro, produz efeitos a partir do dia 01 de janeiro de 2021.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Inês Matoso
Advogada Associada do Departamento de Fiscal
Alterações ao apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade
No passado dia 27 de novembro foi publicado o Decreto-Lei n.º 101-A/2020 que, designadamente, alterou o apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade em empresas em situação de crise empresarial.
Em suma, este novo diploma estabelece que:
- Durante o mês de dezembro de 2020 e enquanto durar o estado de emergência, a entidade empregadora que se se encontre em situação de crise empresarial pode requerer o apoio financeiro extraordinário à retoma progressiva da atividade, nos seguintes termos:
- Até ao limite máximo de redução do período normal de trabalho correspondente ao escalão de quebra de faturação imediatamente seguinte ao do limite pelo qual se encontrava abrangido no mês de novembro de 2020, quando já beneficie do apoio extraordinário à retoma progressiva;
- Até ao limite máximo de redução do período normal de trabalho correspondente ao escalão de quebra de faturação imediatamente seguinte ao da quebra de faturação verificada no mês de novembro de 2020, quando não beneficie do apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade e se encontre em situação de crise empresarial.
- Na circunstância referida no ponto anterior, a entidade empregadora tem o dever de manter o normal funcionamento da sua atividade durante o mês civil completo a que se refere o pedido inicial de apoio ou de prorrogação, salvo nos períodos em que sejam determinadas limitações à atividade por decisão governamental.
- A situação descrita no ponto 1 é atestada através de declaração da entidade empregadora, sob compromisso de honra.
Por fim, importa notar que tais alterações entraram em vigor no dia 28 de novembro de 2020.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Clarificação do regime excecional e temporário de faltas justificadas motivadas por assistência à família
No passado dia 27 de novembro foi publicado o Decreto-Lei n.º 101-A/2020 que veio, designadamente, clarificar o regime excecional e temporário das faltas justificadas motivadas por assistência à família decorrentes da suspensão das atividades letivas e não letivas e formativas nos dias 30 de novembro e 7 dezembro de 2020.
Assim, são consideradas faltas justificadas as faltas motivadas por assistência a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, bem como a neto que viva com o trabalhador em comunhão de mesa e habitação e que seja filho de adolescente com idade inferior a 16 anos, decorrentes da suspensão das atividades letivas e não letivas e formativas nos dias acima indicados.
Veio o citado diploma legal clarificar que tais faltas:
- não determinam a perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e
- não contam para o limite anual de faltas para assistência à família consagrado no Código do Trabalho;
Acresce que, em alternativa às faltas justificadas ora em apreço, o trabalhador pode proceder à marcação de férias, sem necessidade de acordo com o empregador, mediante comunicação por escrito. Nesta circunstância, durante o período de férias, é devida retribuição do período correspondente à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, não se aplicando a regra segundo a qual o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias, podendo neste caso o subsídio de férias ser pago na sua totalidade até ao quarto mês seguinte ao do início do gozo de férias.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Novas regras de sequencialidade dos apoios à manutenção dos postos de trabalho
No passado dia 18 de novembro foi publicado o Decreto-Lei n.º 98/2020 que procede à alteração excecional e temporária das regras de sequencialidade dos apoios à manutenção dos postos de trabalho.
Em suma, este novo diploma vem permitir que:
- A entidade empregadora que até 31 de outubro de 2020 tenha requerido o incentivo extraordinário à normalização da atividade possa, excecionalmente e até 31 de dezembro de 2020, desistir deste apoio e requerer o apoio à retoma progressiva da atividade, sem necessidade de devolução dos montantes entretanto recebidos.
- O empregador que tenha recorrido à aplicação das medidas de redução ou suspensão previstas no Código do Trabalho (o denominado regime geral de Lay-Off), e que pretenda aceder ao apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade, não ficará sujeito ao prazo que limita o recurso a medidas de redução ou suspensão, a que alude o artigo 298.º -A do Código do Trabalho, de acordo com o qual a entidade empregadora só pode recorrer novamente ao Lay-Off depois de decorrido um período de tempo equivalente a metade do período anteriormente utilizado, podendo ser o reduzido por acordo entre o empregador e os trabalhadores abrangidos ou as suas estruturas representativas.
Mais refere o Decreto-Lei n.º 98/2020, de 18 de novembro que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, encontra-se em preparação a continuação de medidas como o incentivo extraordinário à normalização da atividade empresarial e o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade, que visam a manutenção dos postos de trabalho, durante o primeiro semestre de 2021, com adaptações.
Por fim, importa notar que estas novas regras entraram em vigor no dia 19 de novembro de 2020.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Regime de teletrabalho instituído pelo Decreto-Lei n.º 92- A/2020, de 3 de novembro
I. Enquadramento
No seguimento da Resolução do Conselho de Ministros n.º 92 – A/2020, de 2 de novembro que veio declarar a situação de calamidade decorrente da pandemia de Covid-19, foi publicado em Diário da República, no dia 3 de novembro de 2020, o Decreto-Lei n.º 92 – A/2020, que procede à alteração das medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da Covid-19 e que regula um novo regime excecional e temporário de teletrabalho, aditando o artigo 5.º A ao Decreto-Lei n.º 79 – A/ 2020, de 1 de outubro.
II. Regime excecional e temporário de teletrabalho
a) Âmbito de aplicação
- Empresas com estabelecimento nas áreas territoriais, definidas pelo Governo através de Resolução do Conselho de Ministros, independentemente do número de trabalhadores, bem como aos trabalhadores que aí residam ou trabalhem.
- A empresa utilizadorade trabalho de temporáriaou beneficiária final dos serviços prestados a qual é responsável por assegurar, designadamente, o cumprimento do regime de teletrabalho, com as necessárias adaptações, aos trabalhadores temporários e prestadores de serviços que estejam a prestar atividade para essas entidades.
b) Regra geral
A adoção do regime de teletrabalho é obrigatória independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador.
c) Exceções
Quando entenda não estarem reunidas as condições referidas no ponto anterior, a entidade empregadoradeve comunicarao trabalhador, através de documento escrito e devidamente fundamentado,a sua decisão, demonstrando:
- que as funções em causa não são compatíveis com o regime do teletrabalho
ou
- a falta de condições técnicas adequadas para a sua implementação.
d) Procedimento caso o trabalhador discorde da decisão do empregador quanto à não adoção do regime de teletrabalho
Nos três dias úteis seguintes à comunicação da entidade empregadora referida no ponto anterior, o trabalhador pode solicitar à Autoridade para as Condições do Trabalho (adiante designada por “ACT”) a verificação dos requisitos para a prestação de teletrabalho e os factos justificativos invocados pela entidade empregadora para a sua não adoção.
De seguida, a ACT aprecia a matéria sujeita a verificação e decide no prazo de cinco dias úteis, tendo em consideração, designadamente:
- a atividade para a qual o trabalhador foi contratado e
- o exercício anterior da atividade em regime de teletrabalho ou através de outros meios de prestação de trabalho à distância.
e) Instrumentos de trabalho
O empregador deve disponibilizar os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho.Contudo, casotal disponibilização não seja possível e o trabalhador concorde, o teletrabalho, pode ser realizado através dos meios que o trabalhador detenha, competindo ao empregador a programação e adaptação às necessidades inerentes à prestação do teletrabalho.
De notar ainda que otrabalhador que não disponha de condições para exercer as funções em regime de teletrabalho, como sejamcondições técnicas ou habitacionais adequadas, deve informar o empregador, por escrito, dos motivos do seu impedimento.
f) Direitos que devem ser assegurados aos trabalhadores que passam a prestar teletrabalho
O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, sem redução de retribuição, nos termos previstos no Código do Trabalho ou em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalhoaplicável, designadamente no que concerne a:
- limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho;
- segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional; e
- subsídio de refeição que já lhe fosse devido.
g) Trabalhadores excluídos deste regime de teletrabalho
Este regime excecional e temporário de teletrabalho obrigatório não se aplica a:
- trabalhadores dos serviços essenciais, e
- trabalhadores integrados nos estabelecimentos de educação pré -escolar das instituições do setor social e solidário que integram a rede nacional da educação pré-escolar e nas ofertas educativas e formativas, letivas e não letivas, dos ensinos básico e secundário, ministradas em estabelecimentos de ensino particular e cooperativo de nível não superior, incluindo escolas profissionais privadas.
h) Regime sancionatório
Constituicontraordenação grave, punível com coima, o incumprimento das seguintes obrigações:
- Não adoção do regime de teletrabalho quando o mesmo seja obrigatório por se verificarem nenhuma das exceções legalmente previstas;
- Inexistência de documento escrito e fundamentado com a decisão de não adoção do teletrabalho quando o mesmo seja possível;
- Incumprimento da decisão emitida pela ACT que entenda estarem verificadas as condições para a prestação de teletrabalho.
Face às circunstâncias atuais são expectáveis que ocorram desenvolvimentos legislativos, pelo que a presente nota poderá sofreratualizações. Com efeito, todas as informações constantes do presente documento deverão ser alvo de confirmação e validação jurídica.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Impactos laborais e comerciais do novo Estado de Emergência
I. Enquadramento
No dia 8 de novembro foi publicado Decreto n.º 8/2020 que regulamenta a aplicação do novo estado de emergência declarado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro. Na presente nota informativa, destacamos as principais medidas com potencial impacto nas relações laborais e comerciais, as quais entraram em vigor no dia 9 de novembro de 2020 e que vigorarão até 23 de novembro, podendo vir a ser prorrogadas.
II. Restrições à liberdade de circulação
Nos concelhos considerados de risco ao abrigo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro, encontra-sevedada a circulação da via pública, nos seguintes períodos:
- De segunda-feira a sexta-feira: das 23h00 às 5h00;
- Sábados e Domingos (dois próximos fins-de-semana, isto é, dias 14, 15, 21 e 22 de novembro): entre as 13h00 e as 5h00.
Nos períodos horários supra elencados, apenas é possível circular em espaços em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, no que às relações laborais e comerciais diz respeito, designadamente, nas seguintes situações:
- Deslocações para desempenho de funções profissionais ou equiparadas, conforme:
- atestado por declaração emitida pela entidade empregadora ou equiparada;
- atestado por declaração emitida pelo próprio, no caso dos trabalhadores independentes, empresários em nome individual ou membros de órgão estatutário;
- compromisso de honra, no caso de se tratar de trabalhadores do setor agrícola, pecuário e das pescas.
- Deslocações por motivos de saúde;
- Deslocações a mercearias e supermercados e outros estabelecimentos de venda de produtos alimentares e de higiene, para pessoas e animais.
III. Medição da temperatura corporal
Para efeitos de controlo no acesso ao local de trabalho, a serviços ou instituições públicas, estabelecimentos educativos e espaços comerciais, culturais ou desportivos, meios de transporte, em estruturas residenciais, estabelecimentos de saúde, estabelecimentos prisionais ou centros educativos, podem ser realizadas medições de temperatura corporal por meios não invasivos.
Contudo, cumpre notar que o registo da temperatura corporal associado à identidade da pessoa é expressamente proibido, salvo com expressa autorizaçãoda mesma.
As mediçõesda temperatura corporalpodem ser realizadas por trabalhador ao serviço da entidade responsável pelo local ou estabelecimento, sempre através de equipamento adequado a este efeito, que não pode conter qualquer memória ou realizar registos das medições efetuadas, não se admitindoqualquer contacto físico com a pessoa visada,
Pode ser impedido o acesso ao local de trabalho, aserviços ou instituições públicas, estabelecimentos educativos e espaços comerciais, culturais ou desportivos, meios de transporte, em estruturas residenciais, estabelecimentos de saúde, estabelecimentos prisionais ou centros educativos, sempre que alguém:
- Recuse a medição de temperatura corporal;
- Apresente um resultado superior à normal temperatura corporal, isto é, igual ou superior a 38.º C, de acordo com a DGS. Neste caso, se se tratar de um trabalhador, a falta considera-se justificada.
IV. Realização de testes de diagnóstico de SARS-CoV-2
No âmbito laboral, podem ser sujeitos à realização de testes àCovid-19, os seguintes trabalhadores:
- Os trabalhadoresdeestabelecimentos de prestação de cuidados de saúde;
- Os trabalhadores dos estabelecimentos de educação e ensino e das instituições de ensino superior;
- Os trabalhadoresdeestruturas residenciais para idosos, unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e de outras respostas dedicadas a pessoas idosas, bem como a crianças, jovens e pessoas com deficiência;
- Os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional e os demais trabalhadores da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), no exercício das suas funções e por causa delas, para efeitos de acesso e permanência no local de trabalho;
- Os trabalhadores do Corpo da Guarda Prisional, sempre que, no exercício das funções e por causa delas, acedam ou permaneçam a outros locais a propósito do transporte e guarda de reclusos, designadamente unidades de saúde e tribunais.
Caso o resultado dos testes impossibilite ao acesso de trabalhador ao seu local de trabalho, a falta considera-se justificada.
Por fim, cumpre notar que estas novas regras não prejudicam outras medidas que já tenham sido adotadas no combate à Covid-19, designadamente as medidas impostas pela Resolução do Conselho de Ministros n. º92 – A/2020, de 2 de novembro.
Face às circunstâncias atuais são expectáveis que ocorram desenvolvimentos legislativos, pelo que, a presente nota, poderá sofrer atualizações. Com efeito, todas as informações constantes do presente documento deverão ser alvo de confirmação e validação jurídica.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade
I. Enquadramento
No passado dia 6 de junho foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 que aprovou o Plano de Estabilização Económica e Social (adiante abreviadamente designado por “PEES”). Nesse seguimento, foi publicado o Decreto-Lei n.º 27-B/2020, de 19 de Junho, que cria medidas de proteção ao emprego no PEES, com relevância laboral e em matéria de Segurança Social e ainda o Decreto-Lei n.º 46.º - A/2020, de 30 de Julho, que cria o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial com redução temporária do período normal de trabalho.
Mais recentemente, a medida de apoio à retoma progressiva foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 90/2020, de 19 de outubro, o qual veio, designadamente, a alargar o conceito de empresa em situação de crise empresarial.
II. O que é?
Trata-se de uma medida que vem substituir o lay-off simplificado e que tem como principal objetivo a progressiva convergência da retribuição dos trabalhadores para o equivalente a 100% do seu salário. Este apoio pressupõe o pagamento pela entidade empregadora da totalidade das horas trabalhadas pelos seus trabalhadores e prevê a progressiva redução da isenção das contribuições para a Segurança Social.
III. Quem pode aceder?
a) Enquadramento
Este apoio destina-se a empregadores de natureza privada e do setor social que tenham sido afetados pela Covid-19 e que, consequentemente, estejam numa situação de crise empresarial.
De notar que a entidade empregadora deverá ter a sua situação contributiva e tributária comprovadamente regularizadas perante a Segurança Social e perante a Autoridade Tributária.
b) Em que consiste a situação de crise empresarial?
Para efeitos da presente medida de apoio, considera-se que um empregador está numa situação de crise empresarial quando se verifique uma quebra de faturação igual ou superior a 25 % no mês civil completo imediatamente anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou prorrogaçãoface:
- Ao mês homólogo do ano anterior (2019);ou
- À média mensal dos dois meses anteriores a esse período;ou
- À média da faturação mensal entre o início da atividade e o penúltimo mês completo anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou respetiva prorrogação, quando a empresa tenha iniciado a sua atividade há menos de 12 meses.
IV. Em que é que consiste o apoio?
a) Enquadramento
O apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade possibilita apenas a redução temporária do período normal de trabalho de todos ou alguns dos seus trabalhadores.
A redução do período normal de trabalho tem a duração de um mês civil e é prorrogável até 31 de dezembro de 2020.
b) Quais são os limites máximos de redução do período normal de trabalho?
Assim, se a entidade empregadora registar uma quebra igual ou superior a 25% e inferior a 40%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximo até 33% nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020.
Se a entidade empregadora registar uma quebra de faturação igual ou superior a 40% e inferior a 60%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximoaté:
- 50%, nos meses de agosto e setembro de2020;
- 40%, nos meses de outubro, novembro e dezembro de
Se o empregador registar uma quebra igual ou superior a 60%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximo até:
(i) 70%, nos meses de agosto e setembro de2020;
(iii) 60%, nos meses de outubro, novembro e dezembro de2020.
Por fim, caso o empregador registe uma quebra de faturação igual ou superior a 75%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser até 100% nos meses de outubro, novembro e dezembro.
c) Quanto é que o trabalhador vai auferir?
Enquanto durar a redução do período normal de trabalho, o trabalhador tem direito à retribuição relativa às horas trabalhadas pagas a 100% pela entidade empregadora.
Para este efeito, o valor-hora é calculado de acordo com a seguinte fórmula: (retribuição mensal x 12) : (52 x período normal de trabalho)
O trabalhador tem ainda direito a uma compensação retributiva mensal paga pela sua entidade empregadora, no montante de:
- 2/3 da sua retribuição normal ilíquida correspondente às horas não trabalhadas, durante dos meses de agosto e setembro de2020;
- 4/5 da sua retribuição normal ilíquida correspondente às horas não trabalhadas, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020;
Da soma entre a retribuição das horas trabalhadas coma compensação retributiva não pode resultar valor inferior ao salário mínimo nacional (atualmente €635,00). Caso o resultado desta soma seja inferior a €635, o valor da compensação retributiva é aumentado na medida do necessário para assegurar esse montante.
De notar ainda que a compensação retributiva não pode ser superior a €1.905,00 (três vezes o salário mínimo nacional).
Porém, quando a redução do período normal de trabalho seja superior a 60%, o valor da compensação retributiva é aumentado na quantia necessária para garantir que, em conjunto com o pagamento das horas trabalhadas, resulte um valor equivalente a 88% da retribuição normal ilíquida do trabalhador até ao limite dos referidos €1.905.00.
d) O que é que integra a retribuição normalilíquida?
A retribuição normal ilíquida traduz-se no conjunto das componentes remuneratórias regulares normalmente declaradas à Segurança Social relativas a remuneração base, prémios mensais, subsídios regulares mensais, incluindo de trabalho por turnos, subsídio de refeição (quando integra o conceito de retribuição) e trabalhonoturno.
A retribuição é considerada regular quando o trabalhador a tenha recebido em pelo menos 10 meses, entre março de 2019 e fevereiro de 2020, ou em proporção idêntica, caso o trabalhador esteja ao serviço da entidade empregadora há menos de 12 meses.
e) A Segurança Social assegura algum montante?
A Segurança Social assegura 70% da compensação retributiva, sendo que os restantes 30% são assegurados pela entidade empregadora.
Este apoio é transferido diretamente para o empregador, que não pode utilizar os montantes pagos para fins que não sejam o do pagamento da compensação retributiva. De notar que a entidade empregadora deverá efetuar o pagamento da retribuição das horas trabalhadas conjuntamente com o pagamento da compensação retributiva, na data do respetivo vencimento.
De notar ainda que para as empresas que registem quebras de faturação iguais ou superiores a 75% e que, consequentemente, procedam à redução do período normal de trabalho superior a 60%, a Segurança Social suporta 100% da compensação retributiva.
f) O trabalhador abrangido pela medida tem direito a gozar férias?
Sim. A redução do período normal de trabalho em virtude da aplicação da medida de apoio à retoma progressiva não prejudica a marcação, nem o gozo de férias do trabalhador, nos termos gerais.
Assim, os trabalhadores que gozem férias durante a aplicação da medida de apoio à retoma progressiva têm direito ao pagamento da retribuição das horas trabalhadas e da compensação retributiva, nos termos acima referidos, e ainda à retribuição de férias e respetivo subsídio de férias pagos pelo empregador, nos termos habituais.
De notar ainda que o tempo de redução do período normal de trabalho não afeta nem a retribuição nem a duração das férias.
g) Os trabalhadores têm direito ao subsídio de Natal?
Sim, os trabalhadores têm direito a receber o subsídio de Natal por inteiro. Caso a data de pagamento do subsídio de Natal coincida com o período de aplicação da medida de apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade, a Segurança Social comparticipa com o montante correspondente ao duodécimo de metade da compensação retributiva relativa ao número de meses de atribuição do apoio, sendo o remanescente assegurado pelo empregador.
V. Qual é o procedimento para requerer o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade?
1º passo: comunicar, por escrito, aos trabalhadores a abranger pela medida de apoio as seguintes informações:
- percentagem de redução do período normal de trabalho, portrabalhador;
- duração previsível da aplicação da medida.
2º passo: proceder à audição dos delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam, com a menção da percentagem de redução por trabalhador e duração previsível da aplicação da medida, podendo a entidade empregadora fixar um prazo para a respetiva pronúncia, a qual nunca deve ser inferior a 3 (três) diasúteis.
3º passo: submeter o requerimento eletrónico através do portal Segurança Social Direta, através de formulário próprio que já se encontra disponível naquele portal. Este requerimento deve ser acompanhado de:
- declaração do empregador e certificação de contabilista certificado que ateste a situação de crise empresarial através do preenchimento do Mod. RC_3058 (Declaração do Contabilista Certificado da Empresa),e
- listagem nominativa dos trabalhadores que serão abrangidos, o respetivo número de segurança social, a retribuição normal ilíquida e indicação da redução do período normal de trabalho a aplicar, por cada trabalhador, em termos médios
De notar que este formulário produz efeitos ao mês da respetiva submissão. Contudo, cumpre salientar que, se a entidade empregadora iniciar a redução do período normal de trabalho em momento anterior ao da decisão da Segurança Social, poderá ter de assumir os efeitos decorrentes do eventual indeferimento.
Como referido, a entidade empregadora deverá ter a sua situação contributiva e tributária comprovadamente regularizadas perante a Segurança Social e perante a Autoridade Tributária. Para este efeito, a empresa deverá autorizar a consulta online da situação tributária, sendo que a Segurança Social procederá à sua consulta oficiosa.
4º passo: O procedimento é tramitado de forma automatizada e apoio tem a duração de um mês civil, prorrogável, mensalmente, até 31 de dezembro de 2020.
De notar que o apoio pode ser requerido em meses interpolados e pode abranger todos ou alguns trabalhadores.
VI. Existe alguma dispensa ou isenção de contribuições para a SegurançaSocial?
Sim. A dispensa ou isenção de contribuições para a Segurança Social depende da dimensão da empresa. Assim sendo:
Grandes empresas (mais de 250 trabalhadores:
- Dispensa parcial de 50% das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva.
Micro, pequenas empresas e médias empresas (de 1 a 250 trabalhadores):
- Isenção total das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva, durante agosto e setembro.
- Dispensa parcial de 50% das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva, nos meses de outubro, novembro e dezembro.
VII. Existe mais algum apoio adicional?
Sim. As empresas que registem uma quebra de faturação igual ou superior a 75%, para além do apoio extraordinário relativo à compensação retributiva, têm ainda direito a um apoio adicional correspondente a 35% da retribuição normal ilíquida pelas horas trabalhadas devidas a cada trabalhador abrangido.
Neste caso, a soma dos dois apoios não pode ultrapassar o montante de €1.905,00 (três vezes o salário mínimo nacional).
VIII. O apoio extraordinário à retoma progressiva é cumulável com mais algum apoio?
A presente medida de apoio apenas é cumulável com o Plano de Formação Profissional.
Com efeito, não é cumulável com:
- Regime de suspensão e redução do período normal de trabalho previsto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho – vulgo regime geral deLay-Off;
- Lay-Offsimplicado;
- Incentivo extraordinário a normalização da atividade
IX. O que é o Plano de Formação Profissional?
Cumulável com o apoio extraordinário à retoma da atividade, trata-se de uma medida através da qual, em articulação com o IEFP, I.P., é implementado um plano de formação profissional.
O aludido plano de formação profissional visa a melhoria das competências profissionais dos trabalhadores, tendo como objetivo aumentar o seu nível de qualificação e contribuir para o aumento da competitividade da empresa.
Caberá ao próprio IEFP, I.P. organizar o plano de formação, que pode ser desenvolvido à distância, sempre que se afigure possível.
De notar ainda que para as empresas que registem quebras de faturação iguais ou superiores a 75% e que, consequentemente, procedam à redução do período normal de trabalho superior a 60%, a Segurança Social suporta 100% da compensação retributiva.
Para aceder a esta medida, a entidade empregadora deverá apresentar requerimento através de formulário próprio a disponibilizar pelo IEFP, I.P.
Cumpre ainda salientar que o plano de formação deve garantir, no mínimo, 50 horas de formação, por mês, por trabalhador.
X. Quais são os deveres e condicionalismos do empregador?
Durante a aplicação das medidas em causa, a entidade empregadora deverá:
- Manter a sua situação contributiva e tributária regularizada perante a Autoridade Tributária e a SegurançaSocial;
- Realizar pontualmente o pagamento da compensação retributiva e da parte da bolsa devida ao trabalhador referente ao plano de formação profissional, se aplicável;
- Pagar pontualmente as contribuições e quotizações para a Segurança Social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores, que forem devidas;
- Não aumentar a retribuição ou qualquer outra prestação patrimonial a membro de corpos.
Por seu turno, durante o período de redução dos períodos normais de trabalho e nos 60 (sessenta) dias subsequentes, o empregador não pode:
- Cessar contratos de trabalho através de despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação, nem iniciar os respetivos procedimentos;
- Distribuir dividendos, sob qualquer forma, designadamente a título de levantamentos por conta.
Além disso, a entidade empregadora não pode:
- Prestar falsas declarações no âmbito da concessão doapoio;
- Exigir que os trabalhadores abrangidos prestem trabalho para além d número de horas declarado no requerimento para acesso ao
De notar que a violação dos deveres supra descritos implica a cessação do apoio erestituição ou pagamento dos valores já recebidos ou isentados.
XI. Quais são os deveres dos trabalhadores?
Durante o período em que o seu período normal de trabalho seja reduzido o trabalhador deve cumprir todas as suas obrigações e deveres decorrentes do seu contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, devendo ainda:
- Caso preste atividade remunerada fora da empresa, comunicar tal circunstância à sua entidade empregadora, no prazo de 5 dias a contar do início dessa atividade, para efeitos de eventual redução do montante da compensação retributiva;
- Frequentar as ações de formação profissional, caso a entidade empregadora adira ao plano de formação profissional promovido pelo IEFP,I.P.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Incentivo ATIVAR.PT
I. Enquadramento
No passado dia 27 de agosto foi publicada a Portaria n.º 207/2020 que regula a medida Incentivo ATIVAR.PT, que se traduz na concessão, à entidade empregadora, de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado que esteja inscrito no Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. (adiante abreviadamente designado por “IEFP,I.P.”). Esta medida de apoio já constituía um compromisso assumido pelo Governo no Programa de Estabilização Económica e Social (adiante designado por “PEES”), para fazer face aos impactos económicos e sociais da doença COVID-19.
II. O que é?
A medida Incentivo ATIVAR.PT consiste na concessão de um apoio financeiro à celebração de contrato de trabalho com desempregado inscrito no IEFP, I.P.,destinado à entidade empregadora.
III. Quem pode ser candidato?
Pode ser candidata à medida qualquer pessoa singular de natureza jurídica privada, com ou sem fins lucrativos, desde que preencha os seguintes requisitos:
- Estar regularmente constituída e registada;
- Cumprir todos os requisitos legais exigidos para o exercício da atividade ou apresentar comprovativo de que iniciou o processo aplicável;
- Ter a situação contributiva e tributária regularizada perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária, respetivamente;
- Não se encontrar em situação de incumprimento relativamente a apoios financeiros do IEFP, I.P.;
- Ter a situação regularizada no que concerne a restituições no âmbito de financiamentos do Fundo Social Europeu;
- Dispor de contabilidade organizada de acordo com o previsto na lei;
- Não ter pagamentos de salários em atraso;
- Não ter sido condenada em processo-crime ou contraordenacional por violação de legislação do trabalho, designadamente sobre discriminação no trabalho e no acesso ao emprego, nos últimos três anos, exceto se a sanção aplicada no âmbito desse processo resultar prazo superior, caso em que se aplica este último prazo.
Podem ainda candidatar-se as entidades que tenham iniciado Processo Especial de Revitalização (“PER”), nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (“RERE”) ou que tenha iniciado processo no Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, caso o mesmo tenha iniciado antes da entrada em vigor do RERE. Nestes casos, não é exigível que as entidades empregadoras estejam em mora no pagamento de salários.
De notar que a observância dos requisitos supraelencados é exigida a partir da data da aprovação da candidatura ou da celebração do contrato de trabalho sujeito ao apoio e durante o período de duração das obrigações que advenham da concessão do apoio financeiro.
IV. Quais são os requisitos para a concessão do apoio?
Os requisitos para a concessão do apoio são:
- Publicitação e registo de oferta de emprego no portal do IEFP, I.P.com a intenção de candidatura à medida;
- Celebração de contrato de trabalho, a tempo completo oi a tempo parcial, com desempregado inscrito no IEFP, I.P.;
- Criação líquida de emprego e manutenção do nível de emprego atingido por força do apoio;
- Proporção de formação profissional enquanto durar apoio;
- Cumprimento do pagamento de retribuição que respeite o valor do salário mínimo nacional e, caso aplicável, as tabelas salariais previstas em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
V. Com quem pode a entidade empregadora contratar?
Em regra, são elegíveis os contratos de trabalho celebrados com desempregado inscrito no IEFP, I.P.
Para este efeito, é considerado o desempregado que esteja inscrito no IEFP, I.P. há pelo menos 6 meses consecutivos.
De notar que este prazo de inscrição no IEFP, I.P.é reduzido para 2 meses quando se trate de pessoa com idade igual ou inferior a 29 anos ou com idade igual ou superior a 45 anos.
Por seu turno, o prazo de inscrição no IEFP, I.P.é dispensado quando esteja em causa:
- Beneficiário de prestação de desemprego;
- Beneficiário do rendimento social de inserção;
- Pessoa com deficiência e incapacidade;
- Pessoa que integre família monoparental;
- Pessoa cujo cônjuge ou pessoa com quem viva em união de facto se encontre igualmente em situação de desemprego, inscrito no IEFP, I.P.;
- Vítima de violência doméstica;
- Refugiado;
- Ex-recluso e aquele que cumpra ou tenha cumprido penas ou medidas judiciais não privativas de liberdade em condições de se inserir na vida ativa;
- Toxicodependente em processo de recuperação;
- Pessoa que não tenha registos na segurança social como trabalhador por conta de outrem nem como trabalhador independente nos últimos 12 meses consecutivos que precedem a data do registo da oferta de emprego;
- Pessoa que tenha prestado serviço efetivo em regime de contrato, regime de contrato especial ou regime de voluntariado nas Forças Armadas e que se encontre nas condições previstas no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro;
- Pessoa em situação de sem-abrigo;
- Pessoa a quem tenha sido reconhecido o estatuto do cuidador informal e que tenha prestado cuidados enquanto cuidador informal principal;
- Pessoa que tenha concluído há menos de 12 meses estágio financiado pelo IEFP, I.P., no âmbito de projetos reconhecidos como de interesse estratégico, incluindo os projetos apresentados conjuntamente por entidades promotoras e centros de interface tecnológico.
De referir que é equiparado a desempregado quem esteja inscrito no IEFP, I.P., na qualidade de trabalhador que tenha o seu contrato de trabalho suspenso por força do não pagamento pontual da retribuição.
VI. Quais são os requisitos dos contratos de trabalho elegíveis?
São elegíveis os contratos de trabalho:
- Sem termo;
- A termo certo, desde que tenham uma duração igual ou superior a 12 meses, apenas desde que celebrados com desempregados nas situações previstas na Portaria n.º 207/2020, de 27 de agosto de 2020.
Não são elegíveis os contratos de trabalho:
- Celebrado entre a entidade empregadora ou entidade pertencente ao mesmo grupo empresarial e desempregado que a esta esteve vinculado por contrato de trabalho imediatamente antes de ser colocado na situação de desemprego, salvo quando a situação de desemprego tenha ocorrido há mais de 24 meses ou quando o contrato de trabalho tenha sido celebrado ao abrigo do regime para jovens em férias escolares, previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;
- Com desempregado que tenha frequentado um estágio financiado pelo IEFP,I.P., na mesma entidade ou entidade pertencente ao mesmo grupo empresarial nos 24 meses anteriores, com algumas exceções.
VII. Qual é o montante do apoio?
Ao aceder a este apoio, a entidade empregadora tem direito a um apoio financeiro correspondente a:
- Contrato sem termo: 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (adiante designado por “IAS”), o que totaliza o montante de €5.265,72, tendo em conta que o valor do IAS se fixa atualmente em €438,81;
- Contrato a termo certo: 4 vezes o valor do IAS, o que totaliza o montante de €1.755,24.
De notar que o valor do apoio poderá sofrer uma majoração entre 10% a 30%, em determinadas circunstâncias, designadamente se estiverem em causa a contratação de determinadas categorias de trabalhadores e se o posto de trabalho estiver localizado em território do interior.
Em relação a trabalhadores a tempo parcial, o valor do apoio é reduzido na respetiva proporção.
VIII. Como pode uma entidade empregadora candidatar-se?
As candidaturas são realizadas através do site https://www.iefp.pt/iefp, mediante formulário próprio e através da sinalização da oferta de emprego, desde que reúna todos os requisitos para a concessão do apoio, manifestando expressamente a vontade de submeter a candidatura ao apoio.
Uma vez apresentada a candidatura, o IEFP, I.P. dispõe de um prazo de 20 dias úteis para, após verificação de todos os requisitos legais, proferir decisão quanto à candidatura.
É relevante referir que a concessão desta medida de apoio está dependente da dotação orçamental existente.
IX. Como é efetuado o pagamento?
Depois de tramitado todo o procedimento previsto na Portaria n.º 207/2020, de 27 de agosto, para contratos de trabalho sem termo, o pagamento é feito em 3 prestações, sendo que:
- 60% do valor do apoio é pago depois do início de vigência de todos os contratos de trabalho apoiados, no prazo máximo de 20 dias úteis após a apresentação dos mesmos ao IEFP, I.P.;
- 20% do montante do apoio é no décimo terceiro mês de vigência do último contrato iniciado;
- 20% do valor do apoio é pago no vigésimo quinto mês de vigência do último contrato iniciado.
Por seu turno, se estiverem em causa contratos de trabalho a termo certo, o pagamento é realizado em duas prestações, do seguinte modo:
- 50 % do valor do apoio financeiro é pago após o início de vigência de todos os contratos de trabalho apoiados, no prazo máximo de 20 dias úteis após a apresentação dos mesmos ao IEFP,I.P.;
- Em regra, oremanescente é pago no mês seguinteao mês civil em que se completa o décimo segundo mês de vigência do último contrato iniciado.
De referir que é ainda concedido à entidade empregadora que converta o contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo, um prémio de montante correspondente a duas vezes a retribuição mensal base prevista no contrato de trabalho, até ao limite de € 2.194,05 (5 vezes o valor do IAS), caso se verifique a manutenção do contrato objeto da conversão e do nível de emprego existente desde o início de vigência do contrato atermo até ao pagamento do prémio.
X. O apoio é cumulável com outras medidas?
A medida de apoio em apreço não é cumulável com medidas que prevejam a dispensa parcial ou a isenção total do pagamento das contribuições para o regime geral da segurança social, nem com apoios diretos ao emprego aplicáveis ao mesmo posto de trabalho.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral
Prorrogação da situação de calamidade e o fim da suspensão dos prazos judiciais
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, veio prorrogar a declaração da situação de calamidade, em todo o território nacional, até às 23:59h do dia 14 de junho, e estabelecer um quadro excecional distinto e menos restritivo que visa dar continuidade ao processo de desconfinamento iniciado a 30 de abril de 2020.
De um modo geral, a referida Resolução prevê e regula a reabertura de muitos estabelecimentos e a retoma de várias atividades, como estabelecimentos de comércio a retalho, eventos, como sejam cerimónias religiosas, casamentos, batizados (com um limite máximo de 20 pessoas), feiras e mercados, monumentos, palácios, sítios arqueológicos, salas de espetáculos, etc., bem como o alargamento da capacidade máxima de alguns espaços, como os restaurantes (para 50%).
No entanto, as medidas excecionais fixadas pelo Governo na mencionada Resolução, bem como as aprovadas durante as primeiras duas fases de desconfinamentonão trouxeram quaisquer alterações em matéria de justiça e tribunais.
Assim, no que a esta matéria diz respeito, manteve-se, até agora, quer a suspensão dos prazos judiciais (com ressalva dos processos urgentes que não estavam suspensos), quer o cenário de encerramento das salas dos tribunais e correlativo cancelamento e adiamento das diligências processuais (com exceção dos processos cuja tramitação deve ser assegurada e/ou corram junto de tribunais que reúnam todas as condições de segurança).
Já a terceira etapa de desconfinamento, com início no dia 1 de junho de 2020,trouxe alterações legislativas com impacto significativo na atividade dos tribunais e na tramitação dos processos judiciais, com a aprovação da Lei n.º 16/2020, de 29 maio, a qual, para o que aqui nos ocupa, vem proceder à:
- Quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.ºs4-A/2020 e 4-B/2020, ambas de 6 de abril, e n.º 14/2020, de 9 de maio, que aprova as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19;
- Décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 10-E/2020, de 24 de março, e 12-A/2020, de 6 de abril, pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, e 5/2020, de 10 de abril, e pelos Decretos-Leis n.os 14-F/2020, de 13 de abril, 18/2020, de 23 de abril, 20/2020, de 1 de maio, 20-A/2020, de 6 de maio, 20-C/2020, de 7 de maio, 20-D/2020, de 12 de maio, e 22/2020, de 16 de maio, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus.
A Lei n.º 16/2020, de 29 maio foi publicada no dia 29 de maioe entrou em vigor 5 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 3 de junho de 2020.
Vejamos as alterações trazidas com a aprovação da Lei n.º 16/2020, de 29 maio.
I. Alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem estatuir um regime processual transitório e excecionalpara a prática de atos no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
Diligências processuais
Quanto à realização de audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem a inquirição de testemunhas, o novo regime vem determinar que:
- Realizam-se presencialmentee com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direcção-Geral da Saúde;
- Quando não puderem ser feitas presencialmente, realizam-se através de teleconferência, videochamada ou outro equivalente, se tal não causar prejuízo aos fins da realização da justiça;
- Fica salvaguardada a prestação de declarações do arguido, o depoimento das testemunhas ou de parte, as quais devem ser sempre feitas num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário. Nesse caso, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência deverá realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados;
- Salvaguarda-se a presença do arguido no debate instrutório e na sessão da audiência de julgamentoquando tiver lugar a prestação de declarações de arguido e/ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
As demais diligênciasque requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, realizam-se:
- Preferencialmente através de teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- Quando não puderem ser feitasatravés dos meios de comunicação à distância, realizam-se presencialmentee com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela Direcção-Geral da Saúde.
Não obstante o acima exposto, o legislador procurou acautelar alguns grupos mais vulneráveis, tendo determinado que se nas diligências processuais acima referidas intervierem partes, testemunhas ou mandatários maiores de 70 anos ou portadores de doença de risco, a videoconferência ou videochamada poderá ser feita a partir o seu domicílio legal ou profissional.
Tramitação dos prazos processuais
No que tange à tramitação dos prazos processuais e substantivos, o novo regime previsto na Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, mantém suspensos:
- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
- As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos acima identificados;
- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas presencialmente (atento os limites máximos definidos pela DGS), por videoconferência, videochamada ou outro equivalente, prevalecendo sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos;
- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas de imóveis suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, desde que o incidente seja suscitado e a decisão do tribunal seja favorável;
II. Alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março
Justo impedimento
O Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, foi o primeiro diploma a estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias para fazer face ao quadro de crise de saúde pública gerada pela doença COVID-19.
No que à matéria da justiça e tribunais diz respeito, o referido Decreto-Lei veio determinar que o isolamento oficialmente decretado por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários, constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais, considerando-se como falta justificada e motivo de adiamento de diligências processuais.
A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem aditar uma nova alínea à redação original e, bem assim, alargar o âmbito de aplicação das causas e fundamentos para a alegação de justo impedimento, ao estabelecer que a declaração de isolamento acima referida também constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que podem ser praticados remotamente(por exemplo, através das plataformas digitais Citius, Sitaf, Plataforma dos Inventários, etc.) quando o sujeito não tenha acesso a meios de comunicação à distância ou esteja incapacitado por infeção por COVID-19 para os praticar.
Prazos administrativos
A este respeito, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem estatuir as seguintes regras com impacto na contagem e vencimento dos referidos prazos:
- Os prazos administrativos cujotermo original ocorreria durante a vigência do regime excecional, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei;
- Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão decretada ao abrigo da situação excecional, não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos i) no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data; ii) na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
O legislador vem, ainda, determinar expressamente que as regras de contagem e vencimento dos prazos acima referidas não se aplicam aos prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional.
Prazos de prescrição e caducidade
Ao abrigo do regime excecional e temporário, o legislador veio determinar, também, a suspensão dos prazos de prescrição e caducidadede todo o tipo de processos e procedimentos nas várias jurisdições.
Quanto a esta questão, importa salientar que a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio prevê, de forma expressa, que os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas por essa mesma Lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
O legislador, ao definir que ao período de suspensão corresponde um alargamento dos prazos, procura acautelar que o decurso do tempo durante o estado de emergência e, subsequente, transição para situação de calamidade, não tenha relevância, nem produza os efeitos jurídicos decorrentes da verificação das causas de caducidade e prescrição de direitos.
Norma revogatória
Por fim, mas de crucial importância, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, introduziu uma norma revogatória, nos termos da qual são expressamente revogados o artigo 7.º e os nºs 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.
O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (na sua redação atual), sob a epígrafe prazos e diligências, determinou, como regra geral, a suspensão dos prazos processuais e procedimentos a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos perante tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
Por sua vez, o artigo 7.º-A da mesma lei, veio regular especificamente a suspensão dos prazos no âmbito do contencioso pré-contratual (contratação pública), durante o período excecional e temporário de combate e resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus.
Significa isto que a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, no 5º dia posterior ao da sua publicação, ou seja, em 3 de junho de 2020, determinará a cessação dos efeitos do regime excecional para prazos e diligências processuais e procedimentaisinstituído pela Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de março.
A revogação do mencionado artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, faz também cessar a suspensão dos prazos que ainda estava em vigor para matérias não urgentes nos procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias.
Assim, no dia 3 de junho de 2020, verificar-se-á o termo da regra geral da suspensão dos prazos processuais e procedimentaisem vigor desde o passado dia 9 de março de 2020 e, por conseguinte, passará a aplicar-se, a partir dessa data, o regime processual e transitórioestabelecido pela quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, melhor explicado no ponto I supra.
Em todo o caso, importa notar que as restantes medidas adotadas pela Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de março, com impacto em matérias de direito processual e substantivo (como, por exemplo, o regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários) que não tenham sido objeto de alteração ou revogação por via da presente lei, continuam em vigor.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada
Situação de calamidade e a suspensão dos prazos processuais
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, veio declarar a situação de calamidade, em todo o território nacional, até às 23:59h do dia 17 de maio de 2020, e estabelecer um conjunto de restrições, suspensões e encerramentos menos intenso do que aquele que vigorou no contexto do estado de emergência.
Relativamente à matéria de justiça e tribunais, a presente Resolução adiantou apenas que, no quadro da situação de calamidade pública, consideram-se autorizadas as deslocações para participação em atos processuais junto das autoridades judiciárias ou em atos da competência de notários, advogados, solicitadores e oficiais de registo.
No entanto, nada determinou quando à tramitação dos prazos processuais, levantando-se, assim, a questão de saber se a aprovação do presente diploma determinou ou não o fim da suspensão dos prazos para a prática de atos processuais decretada no âmbito do estado de emergência. Ou seja, a questão que se coloca é a de saber se os prazos continuam ou não suspensos.
É a esta questão que procuramos dar resposta neste Flash Informativo.
I. Os prazos processuais e substantivos em geral
Nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (na versão introduzida pelas Leis n.ºs 4-A/2020 e 4-B2020, de 6 de abril) que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a definir por decreto-lei.
Uma vez que do levantamento do estado de emergência e correlativa declaração de situação de calamidade pública pelo Governo, que entrou em vigor no passado dia 3 de maio, não resultou a cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e que, até ao momento, não foi aprovado nenhum decreto-lei que determinasse a referida cessação ou que revogasse a aplicação e os efeitos da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, entendemos que a suspensão ou interrupção dos prazos determinada pela referida lei mantém-se (e irá manter-se) até que o Governo determine, por decreto-lei, o fim da situação excecional. Quer isto dizer que os prazos processuais e substantivos se mantêm, na presente data, suspensos nos termos e com as limitações da referida Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
II. O caso particular dos prazos em matéria de arrendamento
Contudo, o legislador veio estender e concretizar o regime da suspensão dos prazos em matéria de arredamento, através da Lei n.º 14/2020, de 9 de maio, que procedeu à terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Assim, com o objetivo de proteger os arrendatários, o Governo aprovou um regime excecional e temporário de contagem dos prazos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, tendo determinado que ficam suspensos até 30 de setembro de 2020:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo previsto para a restituição do prédios em virtude da caducidade do contrato, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
Assim sendo, desde o dia 10 de maio e até 30 de setembro 2020, a contagem dos prazos dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional ou das suas renovações e a execução de hipotecas sobre habitação própria e permanente encontram-se suspensos.
Assim, durante o referido período, haverá um alargamento dos prazos de vigência dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional e dos prazos de execução de hipotecas.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada
COVID-19 e o (não) pagamento das mensalidades do ensino privado – Quid Juris?
Em contexto de pandemia, no passado dia 12 de março de 2020, o Governo decretou a suspensão de todas as atividades letivas e não letivas presenciais, em todos os níveis de ensino e, em consequência, decretou o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, a partir de 16 de Março, mantendo-se, nessa data, a indefinição quanto à duração desta medida.
Alguns dias depois, a 18 de março, foi aprovado pela Assembleia da República o decreto presidencial que decretou o Estado de Emergência, com o objetivo de combater a pandemia de COVID-19, através do decretamento de várias medidas de carácter excecional, sendo que este Estado de Emergência foi sendo sucessivamente prorrogado, por períodos de 15 dias, encontrando-se a vigorar, a última das prorrogações, até ao próximo dia 2 de maio.
Grande parte das dúvidas, quanto à duração da medida de suspensão das atividades letivas e não letivas e do encerramento das instituições de ensino, dissipou-se no final da reunião de Conselho de Ministros de dia 9 de abril, na qual o Primeiro-Ministro António Costa anunciou que, no corrente ano letivo, apenas os alunos dos 11.º e 12.º anos poderão voltar a beneficiar de aulas presenciais – nem que seja de algumas semanas -, sendo que, para os restantes alunos, do 1.º ao 10.º anos de escolaridade, o ano letivo prosseguiria em regime de ensino à distância, tal como tinha acontecido até às férias letivas da Páscoa.
Já quanto às atividades de creche (até aos 3 anos) e jardins de infância (dos 3 aos 6 anos), é ainda imprevisível qual será a opção do Governo após 2 de maio. Mas para já, as crianças destas valências permanecem igualmente em casa e os respectivos estabelecimentos escolares encerrados.
Uma vez encerradosos estabelecimentos de ensino, as crianças passarama ficaremcasa, implicando que o pai e/ou a mãe tenham que articular o seu teletrabalho com as atividades escolares das crianças ou, no caso de aquele teletrabalho não ser possível, solicitar assistência à família, faltando ao trabalho para poder assegurar oscuidadose as atividades das crianças. Ou seja, as funções educativas que os pais, anteriormente e por força dos contratos de prestação de serviços de educação que celebraram com as instituições de ensino, atribuíram às escolas, aos educadores e aos professores, é-lhes agora atribuída, de modo forçado e por tempo indeterminado.
Neste cenário, a questão complexa que se coloca é a de saber se, no caso do encerramento obrigatório dos estabelecimentos de ensino privados, independentemente das valências em causa, os progenitores:
- Estão obrigados à manutenção do pagamento das respectivas mensalidades nos exatos termos em que tal obrigação foi contratada;
- Poderão exigir uma redução destas mensalidades que seja proporcional à redução dos serviços escolares agora prestados;
- Ou, simplesmente, não estão obrigados ao seu pagamento, podendo resolver com justa causa os contratos de prestação de serviços que celebraram com as respectivas instituições.
Antes de mais, refira-se, desde já, que a posição tem sido unânime no que respeita à não cobrança dos valores, por parte dos estabelecimentos de ensino privados, relativos às atividades extracurriculares, aos prolongamentos de horário, ao transporte escolar e à alimentação, enquanto decorrer o encerramento forçado decretado pelo Governo.
Já quanto às mensalidades, a questão é mais complexa, especialmente se se considerar que estas correspondem, na maioria dos casos, a valores anuais de matrícula que foram fracionados em mensalidades, pelo que se torna difícil defender a, pura e simples, inexigibilidade do seu pagamento.
É necessário, por isso, avaliar cada caso, aconselhando-se cautela aos pais no que respeita à adoção de posições mais extremadas, uma vez que a supressão, sem mais, do pagamento das mensalidades pode originar, por parte dos estabelecimentos de ensino, o cancelamento das matrículas e a consequente ausência de avaliação, prejudicando, em última análise, os filhos.
Além disso, é importante também distinguir-se as situações em que não está a ser prestada qualquer atividade às crianças, das situações em que, apesar do encerramento compulsivo, os colégios continuam a prestar apoio à distância, seja através de aulas on-line, planificação de aulas e atividades, envio de exercícios e disponibilidade para a respetiva correção e aprofundamento de dúvidas dos educandos.
Como enquadrar legalmente este cenário e quais as opções dos pais, de acordo com a lei?
O contrato celebrado entre os pais e os colégios é um contrato de prestação de serviços (cfr. artigo 1154.º do Código Civil), de acordo com o qual determinada instituição de ensino se obriga a prestar serviços de educação e formação a determinado educando, no âmbito de determinadas propostas educativas (creche, pré-escolar, ensino básico, etc.), em cumprimento do plano de currículo definido pelo Ministério da Educação e com o objetivo de desenvolver determinadas competências nas diferentes áreas disciplinares.
Como contrapartida à prestação de tais serviços de educação, os pais obrigam-se, por sua vez, ao pagamento de uma anuidade, fracionada em mensalidades (podem ser 10, 11 ou mesmo 12, consoante o funcionamento das instituições de ensino).
Atendendo ao objeto deste contrato e às prestações contratuais de ambas as partes, podemos concluir que, mesmo em situação de Estado de Emergência, devido à pandemia por COVID-19 como a que vivemos, se se continuar a respeitar a sua essência, o seu conteúdo principal – isto é, a prestação de serviços de educação e de formação em determinada valência de ensino -, deverá manter-se na íntegra a obrigação de pagamento das mensalidades por parte dos pais, sem que exista, neste caso, qualquer justificação para exigir a modificação do contrato, mais concretamente a redução do valor das mensalidades.
Pensemos, por exemplo, nas situações em que são assegurados por parte da instituição de ensino os serviços de formação e aprendizagem aos seus alunos, através da disponibilização de todas as aulas e materiais on-line, de acordo com os respetivos horários e respeitando o currículo e os planos de estudo das diferentes disciplinas, bem como o acompanhamento diário dos alunos por parte dos professores, permitindo a avaliação final nas várias disciplinas. Não é por tal acontecer na sala ou no quarto dos alunos, e não em sala de aula, que existirá motivo para não considerar cumprido o contrato por parte do prestador de serviços.
Sem pretender menosprezar a relação educador/criança ou professor/aluno, a verdade é que também terá que se apurar, em função da cada valência escolar em particular, a maior ou menor relevância desta dicotomia para que os referidos serviços se considerem cumpridos. Da mesma forma que terá que se apurar a maior ou menor necessidade de intervenção dos pais neste regime à distância, sendo certo que quanto mais velha for a criança, mais autonomia terá neste ensino à distância.
Ao invés, nos casos em que a prestação principal da instituição de ensino (prestação de serviços de educação) é beliscada, terá que se concluir pelo incumprimento do contrato, abrindo-se o caminho à admissibilidade legal de poder ser exigida a sua modificação ou, quando tal prestação essencial é severamente atingida, a sua resolução.
São os casos, por exemplo, das valências de berçário ou de creche, em que a presença do educador no dia-a-dia da criança é fundamental para o cumprimento do objeto do contrato, ou os casos dos estabelecimentos de ensino que não têm recursos (humanos, financeiros ou logísticos) para implementar as plataformas informáticas de ensino à distância, pelo que não conseguem assegurar a formação e a mesma qualidade de ensino que assegurariam presencialmente.
Como devem, então, os pais agir quando o objeto do contrato de prestação de serviços é gravemente alterado?
No caso de incumprimento por parte do prestador de serviço, designadamente por impossibilidade de cumprimento, face a um situação de pandemia como a que vivemos atualmente, há que analisar, em primeiro lugar, o conteúdo dos contratos de prestação de serviços celebrados entre as instituições e os pais, assim como o clausulado dos Regulamentos Internos de cada instituição de ensino, apreciando se estas situações de encerramento forçado se encontram aí previstas e, em caso positivo, quais as soluções aí propostas.
O mais provável é que tal cláusula não exista, pelo que teremos que nos socorrer dos preceitos legais em matéria de incumprimento contratual, mais precisamente, no caso em apreço, do regime previsto nos artigos 790.º e seguintes do Código Civil, e do regime da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, previsto no artigo 437.º, também do Código Civil.
A escolha sobre o regime a aplicar depende, antes de mais, das circunstâncias concretas do caso, não se podendo, contudo, ignorar que, a opção pela resolução contratual, quando não convencionada pelas partes contratantes, depende da invocação e verificação de um fundamento legal (cfr. artigo 432.º do Código Civil), recaindo sobre a parte contratante, que resolve o contrato, o ónus de alegar e provar o fundamento que justifica o fim do vínculo contratual estabelecido, sob pena de, não o conseguindo, impender sobre si o dever de indemnizar a outra parte (nos termos gerais).
A) Artigos 790.º e seguintes do Código Civil – Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor
Neste âmbito, e para perceber melhor este regime, não podemos esquecer que os pais são credores da obrigação de prestar os serviços de educação, mas são devedores da obrigação de pagamento das mensalidades; já os prestadores dos serviços são credores das mensalidades, mas devedores da referida prestação.
Uma obrigação contratual extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor, sendo que, se tal impossibilidade for temporária (isto é, se se mantiver o interesse do credor), poderá suspender-se enquanto se mantiver tal impossibilidade (cfr. artigos 790.º, n.º 1 e 792.º, n.º 2, ambos do Código Civil).
Assim, à luz deste regime teremos que analisar se as medidas excecionais adotadas para conter a pandemia de COVID-19 constituem uma impossibilidade invocável para justificar um eventual incumprimento das obrigações contratuais, sendo que, em caso positivo, ficam os devedores desonerados de indemnizar a outra parte e, em caso negativo, o dever de indemnizar persiste.
A impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor (prevista no artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil), abarca apenas as situações de força maior, caso fortuito, impedimento por facto imputável à outra parte contraente ou por facto de terceiro, ou, ainda, impedimento da própria lei, sendo que teremos que concordar com a jurisprudência dos tribunais portugueses quando consideram que a mera impossibilidade relativa da prestação (difficultas praestandi), resultante da excessiva onerosidade ou dificuldade da prestação para o seu devedor, não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue.
Por outro lado, há que atender às exigentes regras de repartição do ónus da prova, previstas na lei civil, de acordo com as quais ficará a cargo do devedor, que invocar este impossibilidade, alegar e provar que:
- não lhe foi possível realizar a sua prestação (prestação de serviços de educação por parte dos colégios e o pagamentos das mensalidades por parte dos pais),
- por facto que não lhe é imputável (no caso dos colégios, será o encerramento forçado dos estabelecimentos de ensino; no caso dos pais, poderá ser a redução ou supressão dos rendimentos familiares),
- sendo que tal impossibilidade, apesar de parcial, tem que ser absoluta e objetiva.
B) Artigo 437.º do Código Civil – Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias
Nos contratos de execução duradoura, como é o caso dos contratos de prestação de serviços de educação, a existência de incumprimento definitivo (por verificação de impossibilidade da prestação) ou a possibilidade do seu cumprimento são determinados à luz do interesse do credor na manutenção do contrato.
Significa isto que, as medidas excecionais adotadas para conter a pandemia de COVID-19 (designadamente, o encerramento forçado das instituições de ensino), que originaram a impossibilidade de cumprimento dos contratos, ainda que temporária, por parte das instituições de ensino, podem tornar excessivamente oneroso para os pais manter o cumprimento do contrato, nos termos previamente estipulados, o que pode justificar a resolução ou modificação do mesmo, à luz do disposto no artigo 437.º do Código Civil.
Porém, há que ter algumas cautelas, uma vez que este regime é excecional e comporta requisitos exigentes para a sua aplicabilidade.
Prevê o artigo 437.º do Código Civil que “1.Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fée não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2.Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”
A primeira ideia que se retira deste preceito é a de que, havendo acordo entre as partes (pais e colégios), pode haver uma redução/suspensão do valor das comparticipações, a título de mensalidades, com ponderação da situação particular de cada família, dos serviços efetivamente prestados e das despesas mensais da própria instituição e da sua sustentabilidade.
Não existindo acordo, e atendendo ao que foi referido acima, não existindo, de todo, a prestação de quaisquer serviços de educação, consideramos defensável, s.m.o., que esse incumprimento, motivado por uma situação de pandemia, não pode ser encarado como integrando um risco próprio do contrato, sob pena de violação grave dos princípios da boa fé contratual. O que legitimaria, nestes casos, os pais a exigirem, quer a modificação do contrato ou, no limite, a sua resolução.
Em conclusão, em clima de COVID-19, independentemente do regime escolhido pelos pais para obviarem ao pagamento das mensalidades devidas por força dos contratos de prestação de serviços de educação celebrados com as instituições privadas de ensino, terá que haver alguma cautela, atendendo ao carácter excecional de ambos os regimes e aos apertados requisitos para a sua aplicabilidade, para que a pretensão não seja frustrada.
Em nossa opinião, terá que existir uma completa omissão do objeto do contrato, com a quase total ausência de prestação de serviços de educação por parte dos colégios, ainda que à distância, para se considerar admissível a exigência, por parte dos pais, do não pagamento integral das mensalidades.
Todavia, atendendo ao carácter excecional das medidas tomadas em contexto da pandemia COVID-19, que não admitirá qualquer analogia com situações semelhantes, será difícil determinar qual será a posição dos nossos tribunais nesta matéria, pelo que será de prever, como solução mais prudente, a exigibilidade da modificação destes contratos, com a redução do valor das mensalidades, em proporção dos serviços de educação efetivamente prestados, ainda que à distância.
Rute Louro
Advogada Associada
Breve nota sobre a Lei n.º 18/2020, de 23 de abril que flexibilizou os procedimentos de aquisição de bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento do COVID-19
- Foi recentemente publicada a Lei n.º 18/2020, de 23 de abril, a qual veio alterar oDecreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, flexibilizando os procedimentos de aquisição de bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento da doença COVID-19, por forma a fazer face à disponibilidade escassa e à forte concorrência entre países no acesso a esses bens e serviços.
- Este diploma veio alargar a possibilidade de escolha, pela Direção-Geral da Saúde, pela Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, I. P. e pela Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., do procedimento de ajuste direto simplificado, por critério material, independentemente do preço contratual, para celebração de contratos cujo objeto consista na aquisição de:
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- Equipamentos de proteção individual;
- Bens necessários à realização de testes à COVID-19;
- Equipamentos e material para unidades de cuidados intensivos;
- Medicamentos, incluindo gases medicinais;
- Outros dispositivos médicos;
- Serviços de logística e transporte, incluindo aéreo, relacionados com as aquisição e distribuição dos referidos bens;
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- Nestes casos, o procedimento de ajuste direto simplificado só pode ser adotado excecionalmente, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, não imputável à entidade adjudicante, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental.
- Mais dispõe o referido diploma que poderão ser feitos, pelas referidas entidades, pagamentos por conta de encomendas, no mercado nacional ou internacional, com dispensa das formalidades de importação.
- A produção de efeitos desta medida retroage à data de 13 de março de 2020.
Martim Pita Negrão
Sócio
Manuel Minas
Advogado Associado
Medidas adotadas para Arrendatários e Senhorios no contexto do Estado de Emergência decretado por força do COVID-19
Com a nova Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril de 2020, a qual prevê um regime legal de exceção para as situações de mora no pagamento da renda, por força do decretado Estado de Emergência, o Governo veio, finalmente, a regular a questão que preocupava tantas famílias e empresas: a manutenção/suspensão do pagamento das rendas durante o Estado de Emergência.
A referida lei estabelece um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o Estado de Emergência e no primeiro mês subsequente, devidas nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, bem como noutras formas contratuais de exploração de imóveis.
Também estão previstos casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total das mesmas, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública. Ou seja, para os contratos entre particulares, apenas se prevê a possibilidade de suspender o pagamento das rendas, permanecendo as mesmas em dívida, e no mesmo montante, a pagar em período posterior à cessação do Estado de Emergência.
I. Relativamente ao arrendamento habitacional:
Sucintamente, a presente lei estabelece como requisitos para a sua aplicação, a i) verificação de uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a ii) existência de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos.
Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional.
Até aqui, a lei não distingue entre contratos para habitação permanente e segunda habitação.
Estabelece, também, a lei, que o inquilino que se encontre nestas condições pode solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, (IHRU, I. P.), a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%.
Este empréstimo aplica-se aos arrendatários de contratos para habitação permanente, bem como aos estudantes que arrendem habitação por frequência de estabelecimentos de ensino localizado a uma distância superior a 50 km da residência permanente do agregado familiar e aos fiadores de arrendatário habitacional que seja estudante e não aufira rendimentos do trabalho.
No caso dos inquilinos não solicitarem o referido empréstimo (parece que a lei o trata como facultativo), terão os senhorios a possibilidade de solicitar ao IHRU, I. P., a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS (em 2020, cifra-se em 438,81€).
A lei não diz o que acontece nos casos em que os senhorios recorram a este empréstimo e os inquilinos venham a incumprir a obrigação de pagamento das rendas agora “suspensas”. Terá o senhorio de continuar a assumir o empréstimo, ficando com uma dívida que não teria, não fosse a adoção desta medida?
Quanto a esta questão, chegou a ser feita uma proposta de alteração à lei por um dos partidos com assento parlamentar, onde se propunha que o Estado figurasse como devedor solidário da dívida do inquilino, o que permitiria assegurar algum conforto aos senhorios que recorressem ao referido empréstimo. Esta alteração não foi, no entanto, aprovada, pelo que não está expresso que se possa responsabilizar o Estado pela dívida contraída pelo senhorio em função deste novo regime excecional.
Os arrendatários que pretendam recorrer a este regime legal terão de notificar o senhorio por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do referido regime, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos definidos pela Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril.
No caso das rendas que se vençam a partir de 1 de abril de 2020, o prazo de notificação é de 20 dias, após a entrada em vigor da lei.
II. No que diz respeito ao arrendamento não habitacional:
Este regime de exceção aplicar-se-á:
- aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência;
- aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio.
Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.
A lei não prevê qualquer prazo – ou obrigação sequer - para o arrendatário não habitacional notificar o senhorio da intenção de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, embora seja aconselhável que, nestes casos, se siga o regime do arrendamento habitacional, notificando o senhorio até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do regime de exceção, ou até 20 dias após a data de entrada em vigor da presente lei, para as rendas que se vençam posteriormente a 1 de abril de 2020.
Por último, será importante referir que este regime excecional, ao prever apenas a possibilidade de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, tem como principal objetivo o de despenalizar a mora.
O que não quer dizer, necessariamente, que este regime excecional, ao prever aquela solução, afaste a possibilidade das partes recorrerem ao regime geral da alteração de circunstâncias, para efeitos de modificação do contrato - em especial, a redução da renda – ou de resolução do mesmo, no caso de se poderem, em concreto, aplicar os seus pressupostos.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Alexandre Sousa Machado
Sócio
Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado
Diretiva da PGR relativa à atuação funcional do Ministério Público durante a situação epidemiológica causada pelo COVID-19
Em resposta à crise de saúde pública provocada pelo SARS CoV-2 e Covid-19, a Procuradoria Geral da República (PGR) divulgou, no passado dia 30 de março de 2020, a Diretiva n.º 2/2020, da Procuradora Geral da República, de 30 de março de 2020, relativa à atuação funcional do Ministério Público no período de vigência da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção.
A Diretiva da Procuradora Geral da República prevê a adoção, durante a situação excecional, de um conjunto de diretrizes de atuação funcional a serem seguidas pelos Magistrados e Agentes do Ministério Público, por forma a garantir o cumprimento das atribuições e competências constitucionais e legais do Ministério Público e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Prazos processuais:
- Relativamente aos atos a praticar no âmbito dos processos e procedimentos a correr os seus termos junto dos tribunais aplica-se o regime das férias judiciais, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março. Assim:
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- Serão tramitados e praticados atos processuais em todos os processos que revistam natureza urgente ou quando estejam em causa direitos fundamentais, através de meios de comunicação à distância (se tal for tecnicamente viável);
- Proceder-se-á à entrega eletrónica de peças processuais, sem prejuízo do que seja entendido, de modo fundamentado, pelo Magistrado;
- Quando não se mostre viável a tramitação do processo de natureza urgente através de meios de comunicação à distância (por exemplo, quando o processo não está integralmente disponível em suporte digital), o despacho deverá ser assegurado pelo Magistrado que se encontre presencialmente no tribunal;
- Os suportes físicos e demais expedientes necessários à tramitação de qualquer processo urgente, que não seja possível remeter por via eletrónica, poderão ser entregues presencialmente, desde que se respeitem as recomendações emitidas pelas autoridades de saúde;
- Quando não seja possível a realização presencial ou à distância dos atos e diligências, os prazos suspendem-se.
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Outros atos e diligências:
- O restante serviço a cargo do Ministério Público, apesar de suspenso quanto ao decurso dos prazos processuais, poderá, sempre que tal se mostre possível, ser assegurado através de meios de comunicação à distância.
- Devem ser remetidos à PGR, através de SIMP, os incidentes de aceleração processual, instruídos com o respetivo requerimento. Também devem ser remetidos os relatórios sucintos da consulta dos autos de inquérito com os elementos essenciais que habilitem a decisão do Ministério Público.
- Os Magistrados do Ministério Público decidirão casuisticamente, a submissão ou não dos arguidos a julgamento em processo sumário ou a sua submissão a interrogatório judicial para efeitos de aplicação de medidas de coação, e reportarão ao superior hierárquico as decisões que venham a ser proferidas neste contexto.
- A realização das perícias solicitadas aos Gabinetes Médicos Legais (GML), que não contendam com autópsias médico-legais, ofensas sexuais e perícias determinadas em contexto de ofensas à integridade física, maus tratos físicos e violência doméstica em que esteja em risco a preservação e aquisição da prova, apenas serão realizadas mediante prévia articulação com o GML respetivo.
- Deverão ser privilegiados os meios de comunicação à distância, devendo os Magistrados do Ministério Público continuar a assegurar uma articulação próxima com os OPC, com as CPCJ e com as estruturas nacionais da Rede Nacional de Apoio à Vítima de Violência Doméstica e reportar, via hierárquica, à PGR, os constrangimentos que eventualmente detetem nessa articulação.
- Os Magistrados do Ministério Público, em coordenação com os Diretores de departamentos e as equipas técnicas, devem assegurar a promoção e disponibilização dos meios tecnológicos necessários, privilegiando o teletrabalho e restringindo as suas deslocações a situações pontuais e imprescindíveis.
Estado de emergência: medidas decretadas, fiscalização e mecanismos sancionatórios
O estado de emergência decretado em todo o território (entre o dia 19 de março e o 2 de abril de 2020), através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, e renovado pelo Decreto do Presidente da Repúblican.º17-A/2020, de 2 de abril(entre o dia 2 de abril e 17 de abril), legitimou a possibilidade de adoção de um conjunto de medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
I. Diplomas normativos relevantes: Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, Decreto do Presidente da República nº 17-A/2020, de 2 de abril e Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril
- O Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, elencou um conjunto de medidas excecionais restritivas e suspensivas dos direitos de circulação e as liberdades económicas dos cidadãos que foram reiteradas e reforçadas com a renovação do estado de emergência, através do Decreto do Presidente da República n.º17-A/2020, de 2 de abril. A saber:
i) Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional: as autoridades públicas podem interditar deslocações e a permanência injustificada de cidadãos na via pública, o confinamento compulsivo, o estabelecimento de cercas sanitárias;
ii) Circulação internacional: podem ser impostos controlos fronteiriços de pessoas e bens, incluindo controlos sanitários e fitossanitários em portos e aeroportos;
iii) Direito de reunião e manifestação: as autoridades públicas podem limitar ou proibir a realização de reuniões ou manifestações;
iv) Liberdade de culto (na sua dimensão coletiva): as autoridades públicas podem limitar ou proibir a realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos que impliquem aglomeração de pessoas;
v) Direito dos trabalhadores: as autoridades públicas podem ordenar que os trabalhadores que desempenhem a sua atividade em sectores vitais para a saúde, defesa, proteção e segurança das pessoas e para o funcionamento da economia, se apresentem ao serviço e desempenhem a sua atividade em condições excecionais. Estabelece, ainda, a suspensão do direito à greve sempre e quando possa comprometer infraestruturas e unidades essenciais à população;
vi) Propriedade e iniciativa económica privada: pode ter lugar a requisição civil de empresas e do seu património por parte das autoridades públicas, bem como a obrigatoriedade de abertura, laboração e funcionamento de empresas e estabelecimentos ou a imposição de limitações, restrições e encerramento da atividade;
vii) Liberdade de aprender e ensinar: podem limitadas as aulas presenciais e imposto o ensino à distância por meios telemáticos (com recurso à internet ou televisão), o adiamento ou prolongamento de períodos letivos, ajustamentos nos métodos de avaliação e suspensão ou recalendarização de provas ou abertura de ano letivo e ajustes no modelo de acesso ao ensino superior;
viii) Direito à proteção de dados pessoais: as autoridades competentes podem determinar que as operadoras de telecomunicações enviem aos Clientes alertas da Direção-Geral da Saúde;
ix) Direito de resistência: reforço da proibição de qualquer ato de resistência ativa ou passiva às ordens das autoridades públicas, o qual será cominado, nos termos da lei, como crime de desobediência;
- O referido Decreto veio ainda introduzir a possibilidade de adoção de medidas excecionais e urgentes de proteção dos cidadãos em execução de decisão condenatória privativa da liberdade, bem como do pessoal que exerce funções nos estabelecimentos prisionais.
- Em 3 de abril de 2020, entrou em vigor o Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, o qual veio regulamentar a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República e procedeu à revogação do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, sobre a execução da declaração do estado de emergência.
- Em termos gerais, o Decreto da Presidência do Conselho de Ministros veio concretizar e densificar as medidas excecionais e temporárias estabelecidas nos dois Decretos Presidenciais:
i) Dever de confinamento obrigatório dos doentes com COVID-19, dos infetados com SARS-Cov2 e dos cidadãos em vigilância ativa;
ii) Dever especial de proteção dos cidadãos maiores de 70 anos e dos grupos considerados de risco (imunodeprimidos e os portadores de doença crónica), sendo proibida a sua circulação nos espaços e vias públicas, ou espaços equiparados, à exceção dos casos expressamente previstos (por exemplo, deslocações por motivos de saúde, a postos de correios, agências bancárias e de seguros e deslocações de curta duração para efeitos de atividade física ou passeio dos animais de companhia) e nos casos devidamente justificados;
iii) Dever geral de recolhimento obrigatório de todos cidadãos que não se enquadram nos pontos i) e ii), sendo também proibida a sua circulação à exceção dos casos expressamente previstos (por exemplo, deslocações por motivos de saúde, para o desempenho de atividades profissionais, a aquisição bens e serviços, para o acompanhamento de menores e assistência a pessoas vulneráveis e vítimas de alguns crimes, para a participação em ações de voluntariado, para o desempenho de atividade física, passeio dos animais de companhia, etc.);
iv) Limitação à circulação no período da Páscoa, sendo proibida a circulação dos cidadãos para fora do concelho de residência habitual no período compreendido entre as 00:00h do dia 9 de abril e as 24:00h do dia 13 de abril, salvo motivos de saúde ou urgência, bem como para o exercício de atividades profissionais.
v) Dever de adoção do regime de teletrabalho, sempre que as funções o permitam;
vi) Dever de encerramento de várias instalações e estabelecimentos (elencados no Anexo I do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril);
vii) Suspensão de atividades no âmbito do comércio e retalho e da prestação de serviços (à exceção das que disponibilizem bens de primeira necessidade ou bens considerados essenciais na conjuntura atual, as quais se encontram elencadas no anexo II do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril);
viii) Encerramento de alguns serviços públicos (por exemplo, lojas do cidadão), podendo ser determinado o funcionamento de serviços públicos considerandos essenciais por despacho dos membros do Governo responsáveis pela área em casa;
ix) Proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto e imposição, pelas autarquias locais, de um limite máximo de presenças nos funerais;
x) Possibilidade de acionamento do instituto da requisição civil para efeitos de obtenção de equipamentos de saúde;
xi) Faculdade de determinação de medidas pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, defesa nacional, justiça, transportes, agricultura, mar, energia e ambiente.
- Além destas medidas excecionais de cariz restritivo, o presente diploma visou adotar respostas mais eficientes e eficazes em matéria de arrendamento, comércio eletrónico, vendas itinerantes, aluguer de veículos de passageiros, bem como visou reforçar o papel de algumas entidades públicas (por exemplo, da Autoridade para as Condições de Trabalho).
- Por fim, elencou um conjunto de regras de segurança e higiene a observar pelos estabelecimentos e pelos prestadores de serviços que mantenham a atividade, como imposição da adoção de uma distância mínima de 2 metros entre pessoas, a permanência do tempo estritamente necessário, a proibição do consumo de produtos no interior, a garantia de desinfeção periódica dos objetos e superfícies e o respeito pelo direito de atendimento prioritário das pessoas sujeita a um dever especial de proteção, dos profissionais de saúde, elementos das forças de serviço e segurança, de proteção e socorro, pessoal das forças armadas e de prestação de serviço de apoio social.
II. Fiscalização e quadro sancionatório
- Nos termos do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, durante o período do estado de emergência, impende sobre os cidadãos e demais entidades um especial dever de colaboração, nomeadamente no cumprimento de ordens ou instruções dos órgãos e agentes responsáveis pela segurança, proteção civil e saúde pública.
- As forças e serviços de segurança e a polícia municipal fiscalizarão as medidas excecionais e temporárias previstas no presente decreto, mediante a sensibilização da comunidade quanto ao dever geral de recolhimento, o aconselhamento à não concentração de pessoas na via pública e à dispersão de grupos superiores a 5 pessoas (salvo se pertencerem ao mesmo agregado familiar), o encerramento de estabelecimentos e atividade elencadas no Anexo I do presente decreto e a emanação de ordens legítimas com vista ao cumprimento do dever de confinamento obrigatório.
- No entanto, apenas a violação de algumas destas medidas é expressamente cominada como crime de desobediência. Em concreto, o presente diploma determina que constitui crime de desobediência: i) a violação do dever de confinamento obrigatório; ii) a violação dos limites à circulação no período da Páscoa; iii) o não encerramento das instalações e estabelecimentos descritos no Anexo I; e iv) não suspensão de atividades e de prestação de serviços (à exceção dos previstos no Anexo II).
- De resto, as forças e serviços de segurança e a polícia municipal aconselharão a não concentração de pessoas na via pública, o cumprimento do dever geral de recolhimento obrigatório e o acatamento da ordens e instruções emanadas pelas autoridades competentes.
- Significa isto que os diplomas normativos que vieram determinar e executar a renovação estado de emergência apesar de terem reforçado o quadro sancionatório - ao cominar expressamente como crime de desobediência condutas que vão além da violação do dever de confinamento obrigatório (como sucedia no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março) - ainda não contêm um quadro sancionatório geral pela violação do dever geral de proteção e de dever geral de recolhimento domiciliário (à exceção do estabelecido para o período da Páscoa).
- No entanto, não podemos negar que com a renovação do estado de emergência assistiu-se a um reforço das medidas excecionais e temporárias, bem como a um agravamento do quadro sancionatório, razão pela qual não fica descartada a hipótese de reforço e a adoção de novas medidas, bem como a possibilidade de imposição de um quadro sancionatório geral na eventualidade de se registar o incumprimento das medidas decretadas.
III. Comportamentos com relevância penal e contraordenacional
Não obstante o Governo não ter aprovado, até ao momento, um quadro sancionatório geral por violação do dever geral de proteção e de dever geral de recolhimento domiciliário, existem comportamentos que, praticados no contexto do estado de emergência, podem ter relevância penal e contraordenacional.
- Crime de desobediência:
i) A pessoa, estabelecimento ou empresa que violar i) o dever de confinamento obrigatório; ii) os limites à circulação no período da Páscoa; iii) dever de encerramento das instalações e estabelecimentos descritos no Anexo I; e iv) dever de suspensão de atividades e de pretação de serviços (à exceção dos previstos no Anexo II), incorre na prática de um crime de desobediência, punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa;
ii) A violação das restantes medidas e ordens decretadas pelas autoridades competentes, como o cumprimento geral do cumprimento obrigatório, só consubstanciará crime de desobediência se a autoridade ou funcionário de fiscalização advertir o cidadão e este deliberadamente não acatar a ordem.
- Crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública: O cidadão que se encontre em situação de ajuntamento ou de reunião pública e não acate a ordem de retirada emitida por autoridade competente, incorrerá na prática de um crime de desobediência, punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa.
- Crime de propagação de doença: A pessoa infetada que tiver a intenção de contaminar outras pessoas ou se, pelo menos, souber que com a sua conduta pode contaminar outras pessoas, incorrerá num crime de propagação de doença, punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
- Crime de omissão de auxílio: O estabelecimento ou empresa que não acatar uma ordem ou mandado legítimo das autoridades competentes, além de incorrer na prática de um crime de desobediência, poderá incorrer na prática de um crime de omissão de auxílio, por no contexto de uma situação de calamidade pública, ter colocado em perigo a vida e a integridade física de outras pessoas, o qual é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa.
- Crime de açambarcamento: A pessoa ou empresa que ocultar a existência, em situação de notória escassez ou com prejuízo do abastecimento regular do mercado, de bens essenciais ou de primeira necessidade, como, por exemplo, medicamentos, equipamentos de proteção individual (máscaras, desinfetantes, luvas, etc.) ou recusar a venda de acordo com o usos normais da atividade, incorre na prática de um crime de açambarcamento punível com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou pena de multa.
- Crime de açambarcamento de adquirente: A pessoa ou empresa que adquirir, em situação de notória escassez ou com prejuízo do abastecimento regular do mercado, de bens essenciais ou de primeira necessidade em quantidades desproporcionais às suas necessidades de abastecimento, incorre na prática de um crime de açambarcamento punível com pena prisão de até 6 meses ou de pena de multa.
- Crime de especulação: A pessoas ou a empresa que vender bens a preços superiores aos permitidos pelos regimes legais ou alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da atividade resultariam para os bens ou serviços, incorre na prática de um crime de especulação punível com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou pena de multa.
- Práticas comerciais desleais: As práticas comerciais desleais por parte das empresas nas relações com os consumidores, que possam ocorrer no contexto da crise de saúde pública, como por exemplo, técnicas de marketing enganosas e agressivas, serão objeto de fiscalização por parte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e constituem contraordenação punível com coima variável, consoante o seu infrator seja pessoa singular ou coletiva.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Rafaela Oliveira
Advogada Associada
Impactos do COVID-19 no Setor dos Seguros e dos Fundos de Pensões
No setor segurador e dos fundos de pensões, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (“ASF”) e a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (“EIOPA”) divulgaram algumas informações sobre as medidas que as empresas de seguros deverão tomar na atual conjuntura resultante da crise epidemiológica causada pela doença Covid-19.
Todavia, encontra-se ainda a ser discutida a adoção de medidas legislativas ou regulatórias que visam assegurar a simplificação e flexibilização de alguns procedimentos, em benefício dos tomadores de seguros e beneficiários.
I. No setor segurador
Atividade das empresas seguradoras
- Funcionamento dos estabelecimentos das empresas seguradoras
As empresas de seguros deverão assegurar o funcionamento das instalações e os estabelecimentos destinados à prestação da atividade seguradora, salvo autorização de encerramento das instalações e estabelecimentos, concedida pela autoridade de saúde nacional.
- Limitação no atendimento presencial de pessoas de idade superior a 65 anos
As empresas de seguros deverão proibir a frequência nas suas instalações e estabelecimentos de pessoas de idade superior a 65 anos, salvo nas primeiras duas horas diárias de funcionamento, que ficam exclusivamente reservadas para o atendimento das mesmas.
Medidas de proteção das empresas de seguros
- Contactos telemáticos com as empresas de seguros:
Os contactos com as empresas de seguros deverão ser efetuados via telefónica ou por e-mail, privilegiando-se estes meios em alternativa às deslocações presenciais às empresas de seguros. Neste sentido, as empresas de seguros deverão reforçar os contactos telemáticos.
- Continuidade dos negócios:
As empresas seguradoras deverão tomar as medidas necessárias para garantir a continuidade dos negócios e a manutenção dos serviços prestados aos tomadores de seguros e aos segurados, nomeadamente introduzindo os mecanismos necessários à subscrição de seguros por via telemática ou por via postal, reforçando o atendimento telefónico e a capacidade de resposta por correio eletrónico e disponibilizando no respetivo sítio de internet da seguradora as informações de caráter genérico mais frequentemente solicitadas pelos tomadores de seguros.
- Flexibilização dos prazos para prestação de informação pelas empresas seguradoras à ASF:
i) A ASF flexibiliza os prazos de reporte e de divulgação de informação para efeitos de supervisão, sem prejuízo do reporte extraordinário que será necessário manter para monitorizar o impacto do contexto atual até à sua estabilização;
ii) Assim, os prazos de reporte regular da informação à ASF que terminavam, em regra, no mês de abril, são prorrogados. Porém, ainda não foram divulgadas quaisquer informações relativas aos novos prazos para cumprimento das referidas obrigações;
iii) Nesta medida, é aconselhável que as empresas seguradoras, logo que consigam regularizar o trabalho excedentário provocado pela presente conjuntura, procedam ao reporte de informações à ASF.
- Medidas implementadas no âmbito do Regime Solvência II
i) As empresas de seguros deverão deter, a todo o momento, fundos próprios suficientes para permitir a absorção de perdas significativas, conferindo um grau de confiança elevado aos tomadores de seguros, pessoas seguradas, participantes e beneficiários de que as responsabilidades serão cumpridas à medida que se vencerem;
ii) As empresas de seguros deverão adotar as medidas necessárias para preservar e até reforçar os referidos fundos, incluindo políticas de distribuição de dividendos e de rendimentos prudentes.
Pacotes de seguro
- Seguro de acidentes de trabalho no âmbito do teletrabalho
i) O trabalhador em regime de teletrabalho possui os mesmos direitos e deveres dos restantes trabalhadores, nomeadamente no que se refere à reparação de danos que resultem de acidente de trabalho;
ii) Porém, para que o seguro de acidentes de trabalho possa ser acionado é necessário que o regime de teletrabalho seja formalizado;
iii) A formalização depende de comunicação da entidade patronal ao segurador da situação do trabalhador em regime de teletrabalho, com indicação do local onde o trabalho será prestado, bem como do período normal de trabalho.
- Seguro de saúde
i) As doenças infetocontagiosas, decorrentes de epidemias ou pandemias, como é o caso da doença COVID-19, estão geralmente excluídas dos contratos de seguro de saúde. Todavia, é necessário consultar o contrato de seguro em concreto;
ii) A apólice de seguro mantém-se em vigor sem qualquer alteração, uma vez que estamos apenas perante uma situação de exclusão da responsabilidade das empresas de seguros (sem prejuízo dos contratos de seguro de saúde que tenham previsto a presente situação).
- Sendo certo que, quando haja prescrição médica, as empresas seguradoras podem responsabilizar-se pelas despesas tidas pelo segurado com o custo dos testes de COVID-19;
i) A partir do momento em que existe um teste positivo de Covid-19, de acordo com as atuais indicações da Direção-Geral da Saúde, o segurado é encaminhado para o Serviço Nacional de Saúde;
ii) Tal decorre da estratégia de contenção do contágio implementada pela autoridade nacional de saúde, que obriga a que todos os infetados com a doença Covid-19 sejam encaminhados para as unidades de saúde de referência, por forma a que a autoridade nacional de saúde disponha de todas as informações sobre os infetados e possa, mais facilmente, monitorizar a disseminação da doença.
- Seguro de vida
i) A maioria dos seguros de vida não exclui as situações decorrentes de epidemia ou pandemia, mas deverá ser sempre consultada a apólice do seguro e verificar o que foi acordado relativamente a exclusões do contrato.
- Seguro de viagem
i) É necessário proceder à análise do caso concreto, porém, regra geral, não há qualquer garantia de reembolso para o segurado que cancela a sua viagem em virtude da doença Covid-19;
ii) Situação diferente é aquela em que o cancelamento é efetuado pela companhia aérea, caso em que o segurado tem direito ao reembolso do dinheiro despendido com a viagem.
- Seguro automóvel
i) O seguro obrigatório automóvel não prevê limitações de cobertura resultantes do estado de emergência, continuando a ser efetuado o pagamento de indemnizações por danos corporais e materiais causados a terceiros e às pessoas transportadas, com exceção do condutor do veículo;
ii) Porém, as coberturas facultativas, nomeadamente de assistência em viagem para o veículo segurado e os passageiros, ou a compensação por eventual imobilização do veículo ou o seguro de danos próprios, poderão ser afetadas pela vigência do estado de emergência, nos casos em que o segurado incumpriu uma determinação legal. Sendo certo que deverão sempre ser consultadas as cláusulas de exclusão existentes no contrato de seguro;
iii) A este propósito, várias empresas seguradoras já se pronunciaram, afirmando que todas as coberturas contratadas pelos segurados no âmbito de um seguro automóvel se mantêm inalteradas durante o estado de emergência;
iv) Foi aprovado, pelo Conselho de Ministros, um conjunto de medidas de resposta à situação epidemiológica do novo Coronavírus, através do Decreto-Lei n.º 10 C/2020, de 23 de março, que estabeleceu um regime de exceção no âmbito das inspeções técnicas periódicas de veículos a motor e seus reboques, durante o qual o incumprimento da obrigação de inspeção periódica não releva para efeitos de seguro de responsabilidade civil automóvel ou do direito de regresso da empresa de seguros.
Medidas de mitigação dos inconvenientes causados pela doença Covid-19
- Aceleração dos pagamentos em caso de sinistro
Em caso de sinistro, as empresas de seguros estão, em geral, a acelerar os pagamentos, especialmente aos hospitais, públicos e privados, disponibilizando, deste modo, recursos financeiros que irão ajudar os segurados a colmatar o aumento das despesas e a redução da receita causados pela situação epidemiológica.
II. No setor dos fundos de pensões
Medidas relativas aos planos de pensões
- Planos de pensões de benefício definido
Relativamente aos planos de pensões, em particular os planos de benefício definido, os associados deverão acautelar a necessidade de efetuar contribuições extraordinárias para colmatar défices resultantes da evolução especialmente adversa dos mercados financeiros, tendo em conta as caraterísticas específicas dos planos e da população abrangida.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Isabel Marta
Advogada Associada
Irina Sena
Advogada Associada
Impactos do COVID-19 no Setor Imobiliário
I. Aspetos a ter em consideração relativamente a novos contratos
Negociação de contratos
- Tendo em conta a atual situação epidemiológica em que vivemos, que tem fortes impactos nas relações contratuais, as partes devem ter cuidados redobrados na negociação de novos contratos, adotando cláusulas excecionais que prevejam as consequências decorrentes da impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais, tendo em conta a atual conjuntura que não sabemos por quanto tempo mais perdurará.
- Assim, é aconselhável às partes, enquanto durar a presente situação, negociar cláusulas que, nomeadamente:
i) regulem um potencial incumprimento que decorra, direta ou indiretamente, da atual situação epidemiológica;
ii) prevejam a suspensão ou prorrogação de prazos do cumprimento das várias obrigações previstas no contrato;
iii) flexibilizem, quando possível, a denúncia e resolução do contrato.
Outorga de escrituras públicas em Cartórios Notariais
- Muitos Cartórios Notariais encerraram o atendimento ao público depois de ter sido decretado o estado de emergência.
- Ainda assim, existem alguns Cartórios Notariais que continuam a prestar atendimento ao público e a agendar escrituras públicas.
- Se alguma das partes que devam estar presentes numa determinada escritura pública for uma pessoa de risco, sujeita a um dever especial de proteção (por ser maior de 70 anos, por ser portadora de doença crónica, etc.), deve ser equacionada a possibilidade de outorga de uma procuração para a sua representação na prática do ato a outorgar.
Funcionamento das Conservatórias do Registo Predial
- O atendimento presencial nas Conservatórias do Registo Predial encontra-se, de momento, suspenso, pelo que não é possível apresentar pedidos de registo presenciais.
- A solução para este problema passa por promover pedidos de registo on-line.
- Os processos de registo poderão levar mais tempo do que o normal, tendo em conta que as Conservatórias do Registo Predial estão, de momento, a trabalhar com cerca de 50% dos seus funcionários, mas não deixarão de ser analisados.
II. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos em vigor: o caso particular dos contratos-promessa
- Relativamente aos contratos em vigor, nomeadamente os contratos-promessa de compra e venda de imóveis, muitas dúvidas se impõem face às dificuldades que as partes terão de cumprir as obrigações prometidas, neste contexto de emergência social.
- O caso mais típico será o do comprador, obrigado a reforçar o sinal ou a despender a quantia remanescente para a aquisição do imóvel prometido comprar, que se pode deparar com uma impossibilidade de cumprir. Será importante perceber qual a razão da impossibilidade, bem como será fundamental analisar o contrato em concreto.
- Nos casos em que as partes fizeram depender a compra da aprovação de crédito bancário, os compradores estarão, em princípio, com a vida mais facilitada, uma vez que, caso o banco lhes negue o empréstimo, poderão resolver o contrato com esse fundamento e exigir a devolução do sinal em singelo.
- E o que acontece nos casos em que o contrato pura e simplesmente prevê um preço e um prazo para a sua compra, sem mais, sem dependência ou menção ao recurso a crédito bancário?
- Nesses casos, a solução jurídica é mais complexa e em muitos deles, mesmo recorrendo às regras gerais, não será possível ao promitente comprador eximir-se das obrigações assumidas. Mesmo na regra geral de direito que pode parecer de aplicação mais evidente – alteração das circunstâncias -, muitas dúvidas surgem quanto à sua aplicação.
- Com efeito, quais são as circunstâncias que se alteraram, face à conjuntura de emergência que vivemos, num contrato típico de compra e venda de um imóvel?
- Antes da referida conjuntura, uma parte prometeu vender um imóvel e outra prometeu comprar, por um determinado preço. Pode, simplesmente, a parte que promete comprar alegar que já não tem dinheiro? Se nada foi acordado quanto às circunstâncias em que o promitente comprador iria reunir o dinheiro para comprar o imóvel, não nos parece que se possa opor o argumento, a quem vende, de que já não há dinheiro para comprar ou de que é demasiado arriscado avançar com o negócio.
- Coisa diferente se passará, pensamos, com a obrigação de entrega do imóvel por parte do promitente vendedor.
- Numa altura em que foi decretado o dever geral de recolhimento domiciliário e em alguns casos até mesmo o confinamento obrigatório, poderá o promitente vendedor incumprir a obrigação de entrega do imóvel no prazo prometido, sem as típicas consequências desse incumprimento? Este é um dos casos onde a alteração de circunstâncias poderá ter um peso diferente no parecer sobre o caso concreto.
- Por último, surge a importante questão de saber se, mesmo querendo ambas as partes cumprir as suas obrigações (uma vendendo e entregando, outra comprando e pagando), será possível outorgar o contrato definitivo de compra e venda.
- Sabendo que a Lei exige forma especial para a transmissão de imóveis (escritura pública ou documento particular autenticado), e tendo em conta que a maioria dos Notários e outros agentes que outorgam este tipo de contratos estão com a sua atividade encerrada ou muito limitada, pode dar-se o caso de não ser possível celebrar a compra e venda no prazo previsto contratualmente, com todos os problemas jurídicos que isso pode acarretar, nomeadamente ao nível da perda de interesse no negócio e/ou impossibilidade de cumprimento decorrido determinado prazo.
III. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos de arrendamento
Medidas de proteção dos arrendatários e senhorios:
- O encerramento das instalações e estabelecimentos por força das medidas decretadas pelo Governo em execução do Estado de Emergência não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, bem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados.
- Durante a vigência deste regime excecional, ficam suspensas:
i) as ações e procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
ii) quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável.
- Durante a vigência deste regime excecional e até 60 dias posteriores à respetiva cessação, fica suspensa:
i) a produção de efeitos das denúncias dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
ii) a caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
iii) a produção de efeitos da revogação e da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
iv) a contagem do prazo de seis meses para despejo do prédio, previsto no artigo 1053.º do Código Civil, se o termo desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas;
v) a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
- Regime de mora no pagamento de rendas: a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, consagra um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente.
Arrendamento habitacional:
i) Aplica-se quando se verifique uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a subida ou manutenção de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos;
ii) O senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional;
iii) No caso dos arrendatários habitacionais e fiadores dos estudantesque não aufiram rendimentos do trabalho, existe a possibilidade de solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%;
iv) Caso os arrendatários não solicitem este empréstimo, terão os senhorios a possibilidade solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.
Arrendamento não-habitacional:
i) Aplica-se aos: (a) estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência e (b) aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio;
ii) O senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.
Tanto no caso de arrendamento habitacional, como no caso do arrendamento não-habitacional, é excluída a aplicação da indemnização pelo atraso no pagamento das rendas quando o arrendatário proceda ao pagamento nos doze meses subsequentes ao fim do regime excecional.
Este regime prevê também casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total do pagamento da renda, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública.
IV. Medidas a ter em consideração relativamente ao crédito à habitação
- O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, prevê medidas que irão permitir que as famílias que se encontram em situação de carência económica tenham a possibilidade de beneficiar da concessão de moratórias no pagamento do seu crédito à habitação.
- De acordo com o referido diploma legal, são elegíveis para beneficiar de tais medidas, para além das microempresas, das PME, dos empresários em nome individual e das IPSS, as seguintes pessoas singulares, relativamente a crédito para habitação própria permanente:
i) Que estejam em situação de isolamento profilático ou de doença;
ii) Que prestem assistência a filhos ou netos;
iii) Que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial;
iv) Que estejam em situação de desemprego registado no IEFP;
v) Os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente; e
vi) Os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.
- As medidas de apoio que foram criadas são as seguintes:
i) Proibição de revogação, total ou parcial, das linhas de crédito contratadas e dos empréstimos concedidos;
ii) Prorrogação, durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato;
iii) Suspensão, durante o período de vigência destas medidas, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao termo desse período.
- A extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos não poderá dar origem a: (i) incumprimento contratual; (ii) ativação de cláusulas de vencimento antecipado; (iii) suspensão do vencimento de juros devidos durante o período de prorrogação; e (iv) ineficácia ou cessação das garantias concedidas, designadamente seguros, fianças e avales.
- Para acederem a tais medidas, as entidades beneficiárias deverão remeter ao respetivo Banco uma declaração de adesão à aplicação da moratória, assinada pelo mutuário e acompanhada da documentação comprovativa da regularidade da respetiva situação contributiva.
- Os Bancos terão um prazo máximo de 5 dias úteis para aplicar as referidas medidas. Se verificarem que o requerente não preenche os requisitos necessários, terão um prazo máximo de 3 dias úteis para o informar disso mesmo.
Manuel Ferreira da Costa
Sócio
Alexandre Sousa Machado
Sócio
Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado
Manuel Minas
Advogado Associado
Estado de emergência: justo impedimento, férias judiciais ou justiça paralisada?
No que diz respeito a esta matéria devemos atender, essencialmente, a dois momentos distintos.
- O primeiro momento prende-se com o quadro legal e normativo imediatamente prévio à declaração do estado de emergência decretado em todo o território, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, e aos diplomas aprovados no contexto e na pendência do mesmo.
- O segundo momento, diz respeito às alterações produzidas no quadro legal e normativo com a renovação do estado de emergência, através do Decreto do Presidente da Repúblicaº17-A/2020, de 2 de abril.
Diplomas legais relevantes:
- Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece as medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica;
- Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que procede à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, e à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19;
- Lei 4-A/2020, de 6 de abril, que procede à primeira alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020;
- Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril, que estabelece as normas excecionais e temporárias destinadas à prática de atos por meio de comunicação à distância, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
I. Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março
- Este foi o primeiro diploma a estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias para fazer face ao quadro de crise de saúde pública gerada pela doença Covid-19, tendo dedicado dois curtos capítulos aos atos e diligências processuais e ao decurso dos prazos.
Quais as medidas adotadas?
- Em síntese, o referido Decreto-Lei determinou o seguinte:
i) O isolamento oficialmente decretado por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais, considerando-se como falta justificada e motivo de adiamento de diligências processuais;
ii) Em caso de encerramento das instalações ou de suspensão do atendimento presencial no município de residência dos sujeitos processuais, partes, seus representantes ou mandatários, considera-se suspenso o prazo para a prática de atos processuais ou procedimentais a partir do dia do encerramento ou da suspensão do atendimento até declaração de reabertura;
iii) Os documentos suscetíveis de renovação que tenham expirados, na data da entrada em vigor do diploma ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores, serão aceites pelas autoridades públicas. Até 30 de junho de 2020, também serão aceites o cartão de cidadão, as certidões e certificados emitidos pelos serviços de registo e identificação civil, a carta de condução e os vistos de permanência em território nacional, cuja validade termine a partir da data da entrada em vigor do presente diploma.
Qual a data da produção de efeitos?
- No que concerne à data de produção dos seus efeitos, o referido Decreto-Lei estipulou, como prazo geral, o dia da sua aprovação (12 de março de 2020), tendo, no entanto, introduzido duas exceções. Uma das exceções prende-se com as disposições que contendem com o sistema judicial, designadamente, as disposições a quese alude em i) e iii) supra, as quais, de acordo com o Decreto-Lei 10-A/2020, produzem os seus efeitos desde 9 de março de 2020.
II. Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
- Em face da evolução e agravamento da situação epidemiológica e correlativo decretamento do estado de emergência, no dia 18 de março, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, as medidas excecionais e temporárias foram reforçadas e densificadas pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março que procede à execução do estado de emergência.
Qual a data da produção de efeitos?
- A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entrou em vigor no passado dia 20 de março de 2020.
- No entanto, além de consagrar que o conteúdo do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, é parte integrante da presente lei (Lei n.º 1-A/2020), produzindo efeitos desde a data de produção de efeitos daquela, veio estipular expressamente que os efeitos retroagem à data da produção dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
- Porém, uma vez que o legislador estabeleceu três momentos diferentes para a produção dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (3, 9 e 12 de março, sendo que para o tema em apreço apenas relevam as datas de 9 e 12 de março), levanta-se a questão de saber se os efeitos da Lei n.º 1-A/2020 retroagem a 9 ou a 12 de março?
- O legislador não concretizou esta questão, levantando-se, a este propósito, dúvidas de interpretação e aplicação desta Lei. No entanto, atendendo a que, no que a matérias judiciais diz respeito, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, entrou em vigor no dia 9 de março de 2020, entendemos que os efeitos produzidos pela introdução da Lei n.º 1-A/2020, de 9 de março, devem retroagir a essa mesma data.
Quais as medidas adotadas?
- Com o desígnio de coadunar a proteção da saúde pública e das pessoas com o adequado funcionamento da justiça e dos tribunais, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março veio determinar a suspensão dos atos processuais e procedimentais praticados junto de todos os tribunais e de outros órgãos jurisdicionais, aplicando-se o regime das férias até à cessação da situação excecional decretada por decreto-lei.
- Assim sendo, entendemos que ao abrigo da presente Lei os prazos processuais encontram-se suspensos desde o dia 9 de março de 2020.
- É importante realçar que, neste período, à semelhança do que habitualmente sucede durantes as férias judiciais, os tribunais encontram-se em funcionamento, podendo ser expedidas citações, notificações às partes, bem como ser proferidos despachos e sentenças, não obstante os prazos estarem genericamente suspensos.
- No entanto, apesar de o legislador ter optado por aplicar à presente suspensão o regime legal das férias judiciais, existem algumas especificidades que merecem ser destacadas.
Processos urgentes?
- No regime das férias judiciais só são tramitados os processos considerados urgentes nas diferentes jurisdições. No entanto, prevê a Lei em análise que nos processos urgentes o prazo suspende-se, salvo determinadas circunstâncias ali, igualmente, previstas e que analisaremos de seguida.
- O sistema judiciário garante, assim, a prática de diligências urgentes sempre e quando:
i) seja tecnicamente viável a prática de atos processuais e procedimentais através de teleconferência ou videochamada; e
ii) estejam em causa a realização de diligências processuais presenciais urgentíssimas, i.é., que contendam com direitos fundamentais, designadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
- Tendo em consideração a letra da Lei e os mecanismos conferidos aos sujeitos processuais, partes, seus representantes e mandatários nas várias jurisdições, entendemos que todos os atos processuais urgentes e não presenciais continuam a ser tramitados, como é o caso da apresentação de articulados, requerimentos e alegações que possam ser tramitados eletronicamente.
- Significa isto que, se no caso concreto, não for tecnicamente viável e/ou possível a produção de prova com recurso a estes meios, os prazos processuais, ainda que urgentes, encontram-se suspensos.
- Por fim, o legislador procurou, também, assegurar a prática de atos urgentes presenciais no âmbito dos processos em que estão em causa direitos fundamentais e expressamente previstos neste normativo. Assim, estes prazos processuais não se suspendem, a não ser que se verifique que, no caso concreto, a realização presencial da diligência implica a reunião de um número de pessoas superior ao indicado pelas orientações e recomendações emitidas pelas entidades de saúde.
Prazos substantivos?
- Estes prazos respeitam ao período de tempo dentro do qual os direitos materiais podem ser exercidos pelos seus titulares, sendo aplicável aos prazos substantivos as regras da caducidade ou da prescrição quando expressamente prevista.
- O legislador veio também determinar, de forma expressa, a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade de todo o tipo de processos e procedimentos nas várias jurisdições.
- O legislador procurou acautelar, assim, que o decurso do tempo nesta fase incerta e imprevisível não conduza à verificação das causas de caducidade e prescrição de direitos que dificilmente seriam e serão exercidos em condições de normalidade. Tendo, ainda, feito a ressalva de que a suspensão em causa prevalece sobre quaisquer regimes que prevejam prazos máximos e imperativos de prescrição ou caducidade.
Prazos administrativos?
- O legislador teve, igualmente, a preocupação de prever a suspensão dos prazos dos processos e procedimentos que correm junto dos cartórios notariais (como é o caso dos processos de inventário) e das conservatórias (como, por exemplo, os processos divórcio por mútuo consentimento, de regulação do exercício das responsabilidades parentais, entre outros).
Prazos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares?
- Por fim, foi ainda determinada a suspensão dos prazos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares que corram termos junto de todas as entidades administrativas que façam parte da administração direta e indireta do Estado, bem como das entidades administrativas independentes como o Banco de Portugal e a Comissão de Valores Mobiliários.
Instâncias já suspensasà data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março?
- Por último, poder-se-á referir que para as instâncias já suspensas à data da entrada em vigor do diploma em análise, estaremos perante um alargamento do prazo de suspensão, uma vez que, à exceção dos processos considerados urgentes, o prazo de suspensão da instância decretado antes da entrada em vigor é retomado no momento em que cessar a suspensão excecional agora determinada.
III. Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril
- Com a renovação do estado de emergência, entre os dias 2 e 17 de abril, através do Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, assistiu-se, em termos gerais, a um reforço e agravamento das medidas excecionais e temporárias de resposta à crise de saúde pública gerada pela doença Covid-19. De entre as várias medidas, o legislador veio estabelecer um conjunto de novas medidas com impacto na tramitação de processos e na realização de diligência processuais, através da aprovação da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, que procede à primeira alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020.
Quais as medidas adotadas?
- O diploma em causa veio, por um lado, introduzir importantes alterações e, por outro, esclarecer algumas dúvidas na interpretação e aplicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
- No que concerne à tramitação processual e procedimental de processos que corram termos junto dos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, Julgados de Paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, determinou que ficam suspensos até à cessação da situação excecional.
- O legislador veio afastar a aplicação do regime das férias judiciais e determinar, como regra geral, a suspensão de todos os processos, afastando, assim, qualquer dúvida que a aplicação daquele regime ao presente quadro excecional pudesse suscitar.
- A regra passou, assim, a ser a da suspensão dos prazos ope legis. No entanto o legislador procurou assegurar a prática de alguns atos, determinando que a suspensão não obsta à prática dos seguintes atos:
i) Prática de atos processuais através das plataformas digitais e outros meios, desde que todas as partes consideram que existem condições para tal;
ii) Prolação de sentenças em processos relativamente aos quais se entenda que não é necessária a realização de mais diligências;
iii) Prática de atos a realizar em sede de processo executivo, cuja suspensão cause grave prejuízo à subsistência do exequente ou prejuízo irreparável.
Processos urgentes?
- O legislador veio, no entanto, estipular algumas exceções à regra geral da suspensão dos prazos e diligências processuais, designadamente no que respeita aos processos urgentes. Assim, os processos de natureza urgente continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, realizando-se os atos e diligências nos seguintes moldes:
i) Através de meios de comunicação à distância adequados;
ii) Não sendo possível através dos meios acima indicados, podem realizar-se presencialmente desde que estejam em causa processos que contendam com a vida, integridade física, saúde mental, liberdade ou subsistência imediata dos intervenientes, desde que não implique a presença de aglomerado de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde;
iii) Não sendo possível recorrer a nenhum destes mecanismos, os processos ficam suspensos.
- O legislador estendeu o conceito de urgência a processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias, lesados ou ameaçados de lesões por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais e relativos a menores em risco ou processo tutelares de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
Qual a data da produção de efeitos?
- A Lei em análise entrou em vigor no passado dia 7 de abril, produzindo os seus efeitos a partir dessa data. No entanto e uma vez que veio produzir alterações significativas em matérias de tramitação processual, levanta-se a questão de saber como se coaduna a solução normativa prevista na primeira redação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que assentava na aplicação do regime-regra das férias judiciais e na suspensão dos processos de natureza urgente (à exceção dos urgentíssimos), com o novo regime geral de suspensão dos prazos e tramitação dos processos urgentes?
- Quanto a esta questão consideramos que a resposta passará por considerar que os prazos processuais nos processos urgentes (à exceção dos urgentíssimos) estiveram suspensos entre o dia 9 de março e 7 de abril de 2020 e retomaram o decurso no dia da entrada em vigor da Lei em análise.
IV. Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril
Quais as alterações com impacto na forma de tramitação dos processos?
- O Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril, em vigor até ao próximo dia 30 de junho de 2020, veio prever um conjunto de mecanismos que visam agilizar a tramitação dos processos de natureza urgente a correr termos nos Julgados de Paz, dar continuidade aos procedimentos e atos de registo e assegurar a tramitação de procedimentos junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. (INPI, I.P.).
- Em concreto, o presente diploma veio determinar o seguinte:
i) Para a prática de atos processuais urgentes em processos que correm os seus termos nos Julgados de Paz, podem ser utilizados meios de comunicação à distância (correio eletrónico, telefone, teleconferência ou videochamada);
ii) As comunicações efetuadas pelas secretarias e Juízes de Paz, pelos conservadores de registo e pelos oficiais e funcionários do INPI são realizadas através de endereço eletrónico;
iii) Os pedidos de registo civil, automóvel, comercial e predial que não possam ser efetuados on-line, podem ser remetidos para o endereço de correio eletrónico respetivo.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada