I. Enquadramento 

No passado dia 6 de junho foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 que aprovou o Plano de Estabilização Económica e Social (adiante abreviadamente designado por “PEES”). Nesse seguimento, foi publicado o Decreto-Lei n.º 27-B/2020, de 19 de Junho, que cria medidas de proteção ao emprego no PEES, com relevância laboral e em matéria de Segurança Social e ainda o Decreto-Lei n.º 46.º – A/2020, de 30 de Julho, que cria o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial com redução temporária do período normal de trabalho.

Mais recentemente, a medida de apoio à retoma progressiva foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 90/2020, de 19 de outubro, o qual veio, designadamente, a alargar o conceito de empresa em situação de crise empresarial.

II. O   que é?

Trata-se de uma medida que vem substituir o lay-off simplificado e que tem como principal objetivo a progressiva convergência da retribuição dos trabalhadores para o equivalente a 100% do seu salário. Este apoio pressupõe o pagamento pela entidade empregadora da totalidade das horas trabalhadas pelos seus trabalhadores e prevê a progressiva redução da isenção das contribuições para a Segurança Social.

III. Quem pode aceder?

a) Enquadramento

Este apoio destina-se a empregadores de natureza privada e do setor social que tenham sido afetados pela Covid-19 e que, consequentemente, estejam numa situação de crise empresarial.

De notar que a entidade empregadora deverá ter a sua situação contributiva e tributária comprovadamente regularizadas perante a Segurança Social e perante a Autoridade Tributária.

b)     Em que consiste a situação de crise empresarial?

Para efeitos da presente medida de apoio, considera-se que um empregador está numa situação de crise empresarial quando se verifique uma quebra de faturação igual ou superior a 25 % no mês civil completo imediatamente anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou prorrogaçãoface:

  • Ao mês homólogo do ano anterior (2019);ou
  • À média mensal dos dois meses anteriores a esse período;ou
  • À média da faturação mensal entre o início da atividade e o penúltimo mês completo anterior ao mês civil a que se refere o pedido inicial de apoio ou respetiva prorrogação, quando a empresa tenha iniciado a sua atividade há menos de 12 meses.

IV.   Em que é que consiste o apoio?

a) Enquadramento

O apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade possibilita apenas a redução temporária do período normal de trabalho de todos ou alguns dos seus trabalhadores.

A redução do período normal de trabalho tem a duração de um mês civil e é prorrogável até 31 de dezembro de 2020.

b) Quais são os limites máximos de redução do período normal de trabalho?

Assim, se a entidade empregadora registar uma quebra igual ou superior a 25% e inferior a 40%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximo até 33% nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020.

Se a entidade empregadora registar uma quebra de faturação igual ou superior a 40% e inferior a 60%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximoaté:

  • 50%, nos meses de agosto e setembro de2020;
  • 40%, nos meses de outubro, novembro e dezembro de

Se o empregador registar uma quebra igual ou superior a 60%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser reduzido no máximo até:

(i)         70%, nos meses de agosto e setembro de2020;

(iii)       60%, nos meses de outubro, novembro e dezembro de2020.

Por fim, caso o empregador registe uma quebra de faturação igual ou superior a 75%, o período normal de trabalho, por trabalhador, pode ser até 100% nos meses de outubro, novembro e dezembro.

c) Quanto é que o trabalhador vai auferir?

Enquanto durar a redução do período normal de trabalho, o trabalhador tem direito à retribuição relativa às horas trabalhadas pagas a 100% pela entidade empregadora.

Para este efeito, o valor-hora é calculado de acordo com a seguinte fórmula: (retribuição mensal x 12) : (52 x período normal de trabalho)

O trabalhador tem ainda direito a uma compensação retributiva mensal paga pela sua entidade empregadora, no montante de:

  • 2/3 da sua retribuição normal ilíquida correspondente às horas não trabalhadas, durante dos meses de agosto e setembro de2020;
  • 4/5 da sua retribuição normal ilíquida correspondente às horas não trabalhadas, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2020;

Da soma entre a retribuição das horas trabalhadas coma compensação retributiva não pode resultar valor inferior ao salário mínimo nacional (atualmente €635,00). Caso o resultado desta soma seja inferior a €635, o valor da compensação retributiva é aumentado na medida do necessário para assegurar esse montante.

De notar ainda que a compensação retributiva não pode ser superior a €1.905,00 (três vezes o salário mínimo nacional).

Porém, quando a redução do período normal de trabalho seja superior a 60%, o valor da compensação retributiva é aumentado na quantia necessária para garantir que, em conjunto com o pagamento das horas trabalhadas, resulte um valor equivalente a 88% da retribuição normal ilíquida do trabalhador até ao limite dos referidos €1.905.00.

d) O que é que integra a retribuição normalilíquida?

A retribuição normal ilíquida traduz-se no conjunto das componentes remuneratórias regulares normalmente declaradas à Segurança Social relativas a remuneração base, prémios mensais, subsídios regulares mensais, incluindo de trabalho por turnos, subsídio de refeição (quando integra o conceito de retribuição) e trabalhonoturno.

A retribuição é considerada regular quando o trabalhador a tenha recebido em pelo menos 10 meses, entre março de 2019 e fevereiro de 2020, ou em proporção idêntica, caso o trabalhador esteja ao serviço da entidade empregadora há menos de 12 meses.

e) A Segurança Social assegura algum montante?

A Segurança Social assegura 70% da compensação retributiva, sendo que os restantes 30% são assegurados pela entidade empregadora.

Este apoio é transferido diretamente para o empregador, que não pode utilizar os montantes pagos para fins que não sejam o do pagamento da compensação retributiva. De notar que a entidade empregadora deverá efetuar o pagamento da retribuição das horas trabalhadas conjuntamente com o pagamento da compensação retributiva, na data do respetivo vencimento.

De notar ainda que para as empresas que registem quebras de faturação iguais ou superiores a 75% e que, consequentemente, procedam à redução do período normal de trabalho superior a 60%, a Segurança Social suporta 100% da compensação retributiva.

f) O trabalhador abrangido pela medida tem direito a gozar férias?

Sim. A redução do período normal de trabalho em virtude da aplicação da medida de apoio à retoma progressiva não prejudica a marcação, nem o gozo de férias do trabalhador, nos termos gerais.

Assim, os trabalhadores que gozem férias durante a aplicação da medida de apoio à retoma progressiva têm direito ao pagamento da retribuição das horas trabalhadas e da compensação retributiva, nos termos acima referidos, e ainda à retribuição de férias e respetivo subsídio de férias pagos pelo empregador, nos termos habituais.

De notar ainda que o tempo de redução do período normal de trabalho não afeta nem a retribuição nem a duração das férias.

g) Os trabalhadores têm direito ao subsídio de Natal?

Sim, os trabalhadores têm direito a receber o subsídio de Natal por inteiro. Caso a data de pagamento do subsídio de Natal coincida com o período de aplicação da medida de apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade, a Segurança Social comparticipa com o montante correspondente ao duodécimo de metade da compensação retributiva relativa ao número de meses de atribuição do apoio, sendo o remanescente assegurado pelo empregador.

V. Qual é o procedimento para requerer o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade?

1º passo: comunicar, por escrito, aos trabalhadores a abranger pela medida de apoio as seguintes informações:

  • percentagem de redução do período normal de trabalho, portrabalhador;
  • duração previsível da aplicação da medida.

2º passo: proceder à audição dos delegados sindicais e comissões de trabalhadores, quando existam, com a menção da percentagem de redução por trabalhador e duração previsível da aplicação da medida, podendo a entidade empregadora fixar um prazo para a respetiva pronúncia, a qual nunca deve ser inferior a 3 (três) diasúteis.

3º passo: submeter o requerimento eletrónico através do portal Segurança Social Direta, através de formulário próprio que já se encontra disponível naquele portal. Este requerimento deve ser acompanhado de:

  • declaração do empregador e certificação de contabilista certificado que ateste a situação de crise empresarial através do preenchimento do Mod. RC_3058 (Declaração do Contabilista Certificado da Empresa),e
  • listagem nominativa dos trabalhadores que serão abrangidos, o respetivo número de segurança social, a retribuição normal ilíquida e indicação da redução do período normal de trabalho a aplicar, por cada trabalhador, em termos médios

De notar que este formulário produz efeitos ao mês da respetiva submissão. Contudo, cumpre salientar que, se a entidade empregadora iniciar a redução do período normal de trabalho em momento anterior ao da decisão da Segurança Social, poderá ter de assumir os efeitos decorrentes do eventual indeferimento.

Como referido, a entidade empregadora deverá ter a sua situação contributiva e tributária comprovadamente regularizadas perante a Segurança Social e perante a Autoridade Tributária. Para este efeito, a empresa deverá autorizar a consulta online da situação tributária, sendo que a Segurança Social procederá à sua consulta oficiosa.

4º passo: O procedimento é tramitado de forma automatizada e apoio tem a duração de um mês civil, prorrogável, mensalmente, até 31 de dezembro de 2020.

De notar que o apoio pode ser requerido em meses interpolados e pode abranger todos ou alguns trabalhadores.

VI.   Existe alguma dispensa ou isenção de contribuições para a SegurançaSocial?

Sim. A dispensa ou isenção de contribuições para a Segurança Social depende da dimensão da empresa. Assim sendo:

Grandes empresas (mais de 250 trabalhadores:

  • Dispensa parcial de 50% das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva.

Micro, pequenas empresas e médias empresas (de 1 a 250 trabalhadores):

  • Isenção total das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva, durante agosto e setembro.
  • Dispensa parcial de 50% das contribuições a seu cargo relativamente aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação retributiva, nos meses de outubro, novembro e dezembro.

VII. Existe mais algum apoio adicional?

Sim. As empresas que registem uma quebra de faturação igual ou superior a 75%, para além do apoio extraordinário relativo à compensação retributiva, têm ainda direito a um apoio adicional correspondente a 35% da retribuição normal ilíquida pelas horas trabalhadas devidas a cada trabalhador abrangido.

Neste caso, a soma dos dois apoios não pode ultrapassar o montante de €1.905,00 (três vezes o salário mínimo nacional).

VIII. O apoio extraordinário à retoma progressiva é cumulável com mais algum apoio?

A presente medida de apoio apenas é cumulável com o Plano de Formação Profissional.

Com efeito, não é cumulável com:

  • Regime de suspensão e redução do período normal de trabalho previsto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho – vulgo regime geral deLay-Off;
  • Lay-Offsimplicado;
  • Incentivo extraordinário a normalização da atividade

IX. O que é o Plano de Formação Profissional?

Cumulável com o apoio extraordinário à retoma da atividade, trata-se de uma medida através da qual, em articulação com o IEFP, I.P., é implementado um plano de formação profissional.

O aludido plano de formação profissional visa a melhoria das competências profissionais dos trabalhadores, tendo como objetivo aumentar o seu nível de qualificação e contribuir para o aumento da competitividade da empresa.

Caberá ao próprio IEFP, I.P. organizar o plano de formação, que pode ser desenvolvido à distância, sempre que se afigure possível.

De notar ainda que para as empresas que registem quebras de faturação iguais ou superiores a 75% e que, consequentemente, procedam à redução do período normal de trabalho superior a 60%, a Segurança Social suporta 100% da compensação retributiva.

Para aceder a esta medida, a entidade empregadora deverá apresentar requerimento através de formulário próprio a disponibilizar pelo IEFP, I.P.

Cumpre ainda salientar que o plano de formação deve garantir, no mínimo, 50 horas de formação, por mês, por trabalhador.

X. Quais são os deveres e condicionalismos do empregador?

Durante a aplicação das medidas em causa, a entidade empregadora deverá:

  • Manter a sua situação contributiva e tributária regularizada perante a Autoridade Tributária e a SegurançaSocial;
  • Realizar pontualmente o pagamento da compensação retributiva e da parte da bolsa devida ao trabalhador referente ao plano de formação profissional, se aplicável;
  • Pagar pontualmente as contribuições e quotizações para a Segurança Social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores, que forem devidas;
  • Não aumentar a retribuição ou qualquer outra prestação patrimonial a membro de corpos.

Por seu turno, durante o período de redução dos períodos normais de trabalho e nos 60 (sessenta) dias subsequentes, o empregador não pode:

  • Cessar contratos de trabalho através de despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação, nem iniciar os respetivos procedimentos;
  • Distribuir dividendos, sob qualquer forma, designadamente a título de levantamentos por conta.

Além disso, a entidade empregadora não pode:

  • Prestar falsas declarações no âmbito da concessão doapoio;
  • Exigir que os trabalhadores abrangidos prestem trabalho para além d número de horas declarado no requerimento para acesso ao

De notar que a violação dos deveres supra descritos implica a cessação do apoio erestituição ou pagamento dos valores já recebidos ou isentados.

XI. Quais são os deveres dos trabalhadores?

Durante o período em que o seu período normal de trabalho seja reduzido o trabalhador deve cumprir todas as suas obrigações e deveres decorrentes do seu contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, devendo ainda:

  • Caso preste atividade remunerada fora da empresa, comunicar tal circunstância à sua entidade empregadora, no prazo de 5 dias a contar do início dessa atividade, para efeitos de eventual redução do montante da compensação retributiva;
  • Frequentar as ações de formação profissional, caso a entidade empregadora adira ao plano de formação profissional promovido pelo IEFP,I.P.

 


Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral

Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral