Com a nova Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril de 2020, a qual prevê um regime legal de exceção para as situações de mora no pagamento da renda, por força do decretado Estado de Emergência, o Governo veio, finalmente, a regular a questão que preocupava tantas famílias e empresas: a manutenção/suspensão do pagamento das rendas durante o Estado de Emergência.

A referida lei estabelece um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o Estado de Emergência e no primeiro mês subsequente, devidas nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, bem como noutras formas contratuais de exploração de imóveis.

Também estão previstos casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total das mesmas, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública. Ou seja, para os contratos entre particulares, apenas se prevê a possibilidade de suspender o pagamento das rendas, permanecendo as mesmas em dívida, e no mesmo montante, a pagar em período posterior à cessação do Estado de Emergência.

I. Relativamente ao arrendamento habitacional:

Sucintamente, a presente lei estabelece como requisitos para a sua aplicação, a i) verificação de uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a ii) existência de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos.

Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional.

Até aqui, a lei não distingue entre contratos para habitação permanente e segunda habitação.

Estabelece, também, a lei, que o inquilino que se encontre nestas condições pode solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana,  (IHRU, I. P.), a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%.

Este empréstimo aplica-se aos arrendatários de contratos para habitação permanente, bem como aos estudantes que arrendem habitação por frequência de estabelecimentos de ensino localizado a uma distância superior a 50 km da residência permanente do agregado familiar e aos fiadores de arrendatário habitacional que seja estudante e não aufira rendimentos do trabalho.

No caso dos inquilinos não solicitarem o referido empréstimo (parece que a lei o trata como facultativo), terão os senhorios a possibilidade de solicitar ao IHRU, I. P., a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS (em 2020, cifra-se em 438,81€).

A lei não diz o que acontece nos casos em que os senhorios recorram a este empréstimo e os inquilinos venham a incumprir a obrigação de pagamento das rendas agora “suspensas”. Terá o senhorio de continuar a assumir o empréstimo, ficando com uma dívida que não teria, não fosse a adoção desta medida?

Quanto a esta questão, chegou a ser feita uma proposta de alteração à lei por um dos partidos com assento parlamentar, onde se propunha que o Estado figurasse como devedor solidário da dívida do inquilino, o que permitiria assegurar algum conforto aos senhorios que recorressem ao referido empréstimo. Esta alteração não foi, no entanto, aprovada, pelo que não está expresso que se possa responsabilizar o Estado pela dívida contraída pelo senhorio em função deste novo regime excecional.

Os arrendatários que pretendam recorrer a este regime legal terão de notificar o senhorio por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do referido regime, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos definidos pela Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril.

No caso das rendas que se vençam a partir de 1 de abril de 2020, o prazo de notificação é de 20 dias, após a entrada em vigor da lei.

II. No que diz respeito ao arrendamento não habitacional:

Este regime de exceção aplicar-se-á:

  1. aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência;
  2. aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio.

Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.

A lei não prevê qualquer prazo – ou obrigação sequer – para o arrendatário não habitacional notificar o senhorio da intenção de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, embora seja aconselhável que, nestes casos, se siga o regime do arrendamento habitacional, notificando o senhorio até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do regime de exceção, ou até 20 dias após a data de entrada em vigor da presente lei, para as rendas que se vençam posteriormente a 1 de abril de 2020.

Por último, será importante referir que este regime excecional, ao prever apenas a possibilidade de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, tem como principal objetivo o de despenalizar a mora.

O que não quer dizer, necessariamente, que este regime excecional, ao prever aquela solução, afaste a possibilidade das partes recorrerem ao regime geral da alteração de circunstâncias, para efeitos de modificação do contrato – em especial, a redução da renda – ou de resolução do mesmo, no caso de se poderem, em concreto, aplicar os seus pressupostos.

 


Manuel Ferreira da Costa
Sócio

Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado