Entrou em vigor, no passado dia 10 de abril, a Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro, que veio rever o regime da propriedade horizontal, introduzindo alterações relevantes ao Código Civil, ao Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro (que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal) e ainda ao Código do Notariado.
Destacaremos, de seguida, as principais alterações introduzidas em cada um dos diplomas objeto de revisão pela Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro.
Alterações introduzidas ao Código Civil:
Maioria para alterar o título constitutivo em relação a partes comuns
- Até agora, qualquer alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal estava sujeita à regra da unanimidade, estando dependente do acordo de todos os condóminos.
- A presente Lei introduz uma alteração relevante nesta matéria, passando a prever, no que respeita às partes comuns do prédio, a possibilidade de suprir judicialmente a inexistência de acordo para a alteração do título constitutivo, desde que:
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- Os votos representativos dos condóminos que se oponham a essa alteração sejam inferiores a 1/10 do capital investido; e
- A alteração em causa não modifique as condições de uso, valor ou fim a que as frações se destinam.
Despesas de conservação e fruição de partes comuns
- No que diz respeito às despesas havidas com a conservação e fruição de partes comuns do prédio e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o legislador clarificou que estas, quando necessárias, serão pagas por cada um dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sempre na proporção do valor destas.
- As despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio.
- As despesas relativas às partes comuns do prédio que beneficiem exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas beneficiam, exceto se o estado de conservação dessas partes comuns afetar o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns pelos demais condóminos, caso em que o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na parte que lhe corresponde proporcionalmente à sua fração.
- Ressalva-se, porém, da situação referida no ponto anterior, os casos em que a necessidade de reparações de partes comuns que sirvam exclusivamente algum dos condóminos decorra de facto que lhe seja imputável, caso em que o condómino que beneficie do uso exclusivo daquelas responderá sozinho pelo valor da reparação a efetuar.
Reparações “indispensáveis e urgentes”
- Relevante no âmbito da conceptualização é a, agora, consagração legal daquilo que se deve entender por despesas “indispensáveis e urgentes”.
- Assim, são consideradas indispensáveis e urgentes, as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.
Assembleias de condóminos
- A primeira reunião do condomínio, típica e legalmente exigida na primeira quinzena de janeiro de cada ano, passa a poder acontecer, ainda que a título excecional, durante o primeiro trimestre de cada ano, desde que tal hipótese:
- esteja prevista no regulamento do condomínio; ou
- resulte de uma deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.
- O diploma passa a prever que os condóminos possam ser contactados, a propósito da reunião do condomínio, por correio eletrónico, desde que em assembleia anterior estes tenham manifestado a sua vontade nesse sentido, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço de correio eletrónico.
- Na situação referida no ponto anterior, o condómino deve enviar, pelo mesmo meio, recibo de receção do respetivo e-mail convocatório.
- Também este meio – correio eletrónico – pode ser o utilizado para a comunicação das deliberações tomadas aos condóminos que não tenham estado presentes na reunião, sempre e quando verificada a condição acima descrita.
- O legislador tomou agora a opção de prever expressamente que as assembleias de condóminos nas quais não compareça o número de condóminos suficiente para se obter aprovação, podem ser realizadas 30 minutos após a hora que constava da primeira convocatória, no mesmo local, desde que estejam reunidas as condições para garantir a presença, no mesmo dia, de condóminos que representem ¼ do valor total do prédio.
Funções do administrador
Com a Lei nº 8/2022 também as funções do administrador do condomínio sofreram alterações.
Verificam-se, pois, ampliações destas a dois níveis. Por um lado, ampliações no sentido de lhe atribuir mais responsabilidades no que à gestão da vida financeira do condomínio diz respeito; por outro, responsabilidades a nível de iniciativa processual/judicial. Vejamos:
- O administrador do condomínio passa a ter de controlar a existência do fundo comum de reserva e a exigir aos condóminos as quotas-partes das despesas aprovadas em assembleia;
- É responsável por informar os condóminos, não só no caso de o condomínio ser notificado no âmbito de algum processo, seja de que natureza for, mas também periodicamente – no mínimo semestralmente – sobre o desenvolvimento destes;
- É ainda responsável por executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;
- O administrador do condomínio deve emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração;
- Também no que diz respeito à realização de obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação se deve atentar numa importante alteração. Caso esta necessidade se dê, é necessário que o administrador apresente, no mínimo, 3 orçamentos distintos para a execução da mesma obra, à assembleia de condóminos;
- Por fim, cabe ao administrador do condomínio intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação.
Representação do condomínio
- O legislador veio clarificar que a representação do condomínio em juízo é sempre feita através do seu administrador, o qual pode agir em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
- Passa a prever-se expressamente que a apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.
Responsabilidade por encargos do condomínio e declaração de inexistência de dívidas ao condomínio
Com o crescendo que o mercado imobiliário tem tido nacional e internacionalmente, também neste ponto vão tocar as alterações efetuadas pela nossa Lei. Vejamos:
- Passa a exigir-se, para a alienação de uma fração, a junção de uma declaração, assinada pelo administrador no prazo de 10 dias após o pedido, que comprove a inexistência de dívidas da fração em causa.
- Caso existam dívidas, da declaração tem de constar não só o seu montante, mas também o prazo de pagamento das mesmas e a natureza destas.
- Quanto a esta matéria, esclarece, ainda, o legislador, que a responsabilidade por uma determinada dívida será aferida em função do momento em que a mesma deva ser liquidada, terminando assim com dúvidas quanto a quem – se o anterior ou o novo proprietário – deve ser responsável por determinadas dívidas.
- Finalmente, estabeleceu ainda o legislador a possibilidade de, sob declaração expressa do comprador, este prescindir de tal declaração.
Alterações introduzidas ao Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro:
Atas
- Passa a prever-se expressamente que as atas devem conter um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente:
- data e local da reunião;
- condóminos presentes e ausentes;
- assuntos levados à reunião;
- deliberações tomadas com o resultado de cada votação; e
- o facto de a ata ter sido lida e aprovada.
- Também aqui – num esforço de digitalização que louvamos – passa a ser possível subscrever eletronicamente a ata por parte do condómino, quer pela assinatura digital, quer por declaração do condómino enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via.
Dever de informação dos condóminos
No que às obrigações dos condóminos diz respeito, também a presente Lei veio trazer novidades.
Assim, a partir deste momento, estão os condóminos obrigados a informar o administrador do condomínio sobre os seguintes aspetos:
- Os seus dados pessoais, como sejam o número de contribuinte, morada, os contactos telefónicos e de endereço eletrónico.
- A alienação da fração de que são proprietários, devendo esta informação conter o nome completo e o número de identificação fiscal do novo proprietário. Caso não o façam no prazo de 15 dias após a alienação, o condómino alienante responsabiliza-se por quaisquer despesas inerentes à identificação do novo proprietário em que possa incorrer o administrador do condomínio e pelos encargos suportados com a mora no pagamento dos encargos que se vencerem após a alienação.
Fundo comum de reserva
- Finalmente, aborda, ainda, a nova Lei a questão referente ao fundo comum de reserva, referindo que o mesmo deve ser, no prazo de 12 meses, reposto, através de uma quotização extraordinária, nos casos em que tenha sido previamente usado.
Assembleias de condóminos por meios de comunicação à distância
- Na senda da digitalização já falada, foi opção do legislador a de referir, expressamente, que as assembleias de condóminos se poderão realizar através de meios de comunicação à distância. Esta opção ressalvará, como é claro, todas as situações em que os condóminos, justificando a sua posição, não possam atender à reunião através destes meios.
Dívidas ao condomínio
- A Lei passa a explicitar os requisitos que deve conter a ata para constituir título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, prevendo expressamente que nela devem ser mencionados o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
- Acrescenta-se ainda que esta ata constituirá título executivo não apenas para o montante em dívida, mas também para quaisquer juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
- Cabe ao administrador instaurar a ação judicial destinada a cobrar as quantias em dívida, a qual deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.
Alterações introduzidas ao Código do Notariado:
Declaração de inexistência de dívidas ao condomínio
- No que à alteração do Código do Notariado diz respeito, apenas notamos a menção referente à obrigatoriedade da declaração emitida pelo administrador do condomínio com o elenco da situação financeira da fração alvo de alienação em qualquer título pelo qual se partilhe ou transmita direitos sobre prédios, ou se contraiam encargos sobre eles.
Alexandre Sousa Machado
Partner
Inês Matoso
Advogada Associada do Departamento de Fiscal