I. Aspetos a ter em consideração relativamente a novos contratos

Negociação de contratos

  • Tendo em conta a atual situação epidemiológica em que vivemos, que tem fortes impactos nas relações contratuais, as partes devem ter cuidados redobrados na negociação de novos contratos, adotando cláusulas excecionais que prevejam as consequências decorrentes da impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais, tendo em conta a atual conjuntura que não sabemos por quanto tempo mais perdurará.
  • Assim, é aconselhável às partes, enquanto durar a presente situação, negociar cláusulas que, nomeadamente:

i) regulem um potencial incumprimento que decorra, direta ou indiretamente, da atual situação epidemiológica;

ii) prevejam a suspensão ou prorrogação de prazos do cumprimento das várias obrigações previstas no contrato;

iii) flexibilizem, quando possível, a denúncia e resolução do contrato.

Outorga de escrituras públicas em Cartórios Notariais

  • Muitos Cartórios Notariais encerraram o atendimento ao público depois de ter sido decretado o estado de emergência.
  • Ainda assim, existem alguns Cartórios Notariais que continuam a prestar atendimento ao público e a agendar escrituras públicas.
  • Se alguma das partes que devam estar presentes numa determinada escritura pública for uma pessoa de risco, sujeita a um dever especial de proteção (por ser maior de 70 anos, por ser portadora de doença crónica, etc.), deve ser equacionada a possibilidade de outorga de uma procuração para a sua representação na prática do ato a outorgar.

Funcionamento das Conservatórias do Registo Predial

  • O atendimento presencial nas Conservatórias do Registo Predial encontra-se, de momento, suspenso, pelo que não é possível apresentar pedidos de registo presenciais.
  • A solução para este problema passa por promover pedidos de registo on-line.
  • Os processos de registo poderão levar mais tempo do que o normal, tendo em conta que as Conservatórias do Registo Predial estão, de momento, a trabalhar com cerca de 50% dos seus funcionários, mas não deixarão de ser analisados.

II. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos em vigor: o caso particular dos contratos-promessa

  • Relativamente aos contratos em vigor, nomeadamente os contratos-promessa de compra e venda de imóveis, muitas dúvidas se impõem face às dificuldades que as partes terão de cumprir as obrigações prometidas, neste contexto de emergência social.
  • O caso mais típico será o do comprador, obrigado a reforçar o sinal ou a despender a quantia remanescente para a aquisição do imóvel prometido comprar, que se pode deparar com uma impossibilidade de cumprir. Será importante perceber qual a razão da impossibilidade, bem como será fundamental analisar o contrato em concreto.
  • Nos casos em que as partes fizeram depender a compra da aprovação de crédito bancário, os compradores estarão, em princípio, com a vida mais facilitada, uma vez que, caso o banco lhes negue o empréstimo, poderão resolver o contrato com esse fundamento e exigir a devolução do sinal em singelo.
  • E o que acontece nos casos em que o contrato pura e simplesmente prevê um preço e um prazo para a sua compra, sem mais, sem dependência ou menção ao recurso a crédito bancário?
  • Nesses casos, a solução jurídica é mais complexa e em muitos deles, mesmo recorrendo às regras gerais, não será possível ao promitente comprador eximir-se das obrigações assumidas. Mesmo na regra geral de direito que pode parecer de aplicação mais evidente – alteração das circunstâncias -, muitas dúvidas surgem quanto à sua aplicação.
  • Com efeito, quais são as circunstâncias que se alteraram, face à conjuntura de emergência que vivemos, num contrato típico de compra e venda de um imóvel?
  • Antes da referida conjuntura, uma parte prometeu vender um imóvel e outra prometeu comprar, por um determinado preço. Pode, simplesmente, a parte que promete comprar alegar que já não tem dinheiro? Se nada foi acordado quanto às circunstâncias em que o promitente comprador iria reunir o dinheiro para comprar o imóvel, não nos parece que se possa opor o argumento, a quem vende, de que já não há dinheiro para comprar ou de que é demasiado arriscado avançar com o negócio.
  • Coisa diferente se passará, pensamos, com a obrigação de entrega do imóvel por parte do promitente vendedor.
  • Numa altura em que foi decretado o dever geral de recolhimento domiciliário e em alguns casos até mesmo o confinamento obrigatório, poderá o promitente vendedor incumprir a obrigação de entrega do imóvel no prazo prometido, sem as típicas consequências desse incumprimento? Este é um dos casos onde a alteração de circunstâncias poderá ter um peso diferente no parecer sobre o caso concreto.
  • Por último, surge a importante questão de saber se, mesmo querendo ambas as partes cumprir as suas obrigações (uma vendendo e entregando, outra comprando e pagando), será possível outorgar o contrato definitivo de compra e venda.
  • Sabendo que a Lei exige forma especial para a transmissão de imóveis (escritura pública ou documento particular autenticado), e tendo em conta que a maioria dos Notários e outros agentes que outorgam este tipo de contratos estão com a sua atividade encerrada ou muito limitada, pode dar-se o caso de não ser possível celebrar a compra e venda no prazo previsto contratualmente, com todos os problemas jurídicos que isso pode acarretar, nomeadamente ao nível da perda de interesse no negócio e/ou impossibilidade de cumprimento decorrido determinado prazo.

III. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos de arrendamento

Medidas de proteção dos arrendatários e senhorios:

  • O encerramento das instalações e estabelecimentos por força das medidas decretadas pelo Governo em execução do Estado de Emergência não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, bem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados.
  • Durante a vigência deste regime excecional, ficam suspensas:

i) as ações e procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;

ii) quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável.

  • Durante a vigência deste regime excecional e até 60 dias posteriores à respetiva cessação, fica suspensa:

i) a produção de efeitos das denúncias dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;

ii) a caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;

iii) a produção de efeitos da revogação e da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;

iv) a contagem do prazo de seis meses para despejo do prédio, previsto no artigo 1053.º do Código Civil, se o termo desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas;

v) a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.

  • Regime de mora no pagamento de rendas: a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, consagra um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente.

Arrendamento habitacional:

i) Aplica-se quando se verifique uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a subida ou manutenção de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos;

ii) O senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional;

iii) No caso dos arrendatários habitacionais e fiadores dos estudantesque não aufiram rendimentos do trabalho, existe a possibilidade de solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%;

iv) Caso os arrendatários não solicitem este empréstimo, terão os senhorios a possibilidade solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.

Arrendamento não-habitacional:

i) Aplica-se aos: (a) estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência e (b) aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio;

ii) O senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.

Tanto no caso de arrendamento habitacional, como no caso do arrendamento não-habitacional, é excluída a aplicação da indemnização pelo atraso no pagamento das rendas quando o arrendatário proceda ao pagamento nos doze meses subsequentes ao fim do regime excecional.

Este regime prevê também casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total do pagamento da renda, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública.

IV. Medidas a ter em consideração relativamente ao crédito à habitação

  • O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, prevê medidas que irão permitir que as famílias que se encontram em situação de carência económica tenham a possibilidade de beneficiar da concessão de moratórias no pagamento do seu crédito à habitação.
  • De acordo com o referido diploma legal, são elegíveis para beneficiar de tais medidas, para além das microempresas, das PME, dos empresários em nome individual e das IPSS, as seguintes pessoas singulares, relativamente a crédito para habitação própria permanente:

i) Que estejam em situação de isolamento profilático ou de doença;

ii) Que prestem assistência a filhos ou netos;

iii) Que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial;

iv) Que estejam em situação de desemprego registado no IEFP;

v) Os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente; e

vi) Os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.

  • As medidas de apoio que foram criadas são as seguintes:

i) Proibição de revogação, total ou parcial, das linhas de crédito contratadas e dos empréstimos concedidos;

ii) Prorrogação, durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato;

iii) Suspensão, durante o período de vigência destas medidas, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao termo desse período.

  • A extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos não poderá dar origem a: (i) incumprimento contratual; (ii) ativação de cláusulas de vencimento antecipado; (iii) suspensão do vencimento de juros devidos durante o período de prorrogação; e (iv) ineficácia ou cessação das garantias concedidas, designadamente seguros, fianças e avales.
  • Para acederem a tais medidas, as entidades beneficiárias deverão remeter ao respetivo Banco uma declaração de adesão à aplicação da moratória, assinada pelo mutuário e acompanhada da documentação comprovativa da regularidade da respetiva situação contributiva.
  • Os Bancos terão um prazo máximo de 5 dias úteis para aplicar as referidas medidas. Se verificarem que o requerente não preenche os requisitos necessários, terão um prazo máximo de 3 dias úteis para o informar disso mesmo.

 


Manuel Ferreira da Costa
Sócio

Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado 

Manuel Minas
Advogado Associado