Novo regime da propriedade horizontal: alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro

Entrou em vigor, no passado dia 10 de abril, a Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro, que veio rever o regime da propriedade horizontal, introduzindo alterações relevantes ao Código Civil, ao Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro (que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal) e ainda ao Código do Notariado.

Destacaremos, de seguida, as principais alterações introduzidas em cada um dos diplomas objeto de revisão pela Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro.

Alterações introduzidas ao Código Civil:

Maioria para alterar o título constitutivo em relação a partes comuns

  • Até agora, qualquer alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal estava sujeita à regra da unanimidade, estando dependente do acordo de todos os condóminos.
  • A presente Lei introduz uma alteração relevante nesta matéria, passando a prever, no que respeita às partes comuns do prédio, a possibilidade de suprir judicialmente a inexistência de acordo para a alteração do título constitutivo, desde que:
    • Os votos representativos dos condóminos que se oponham a essa alteração sejam inferiores a 1/10 do capital investido; e
    • A alteração em causa não modifique as condições de uso, valor ou fim a que as frações se destinam.

Despesas de conservação e fruição de partes comuns

  • No que diz respeito às despesas havidas com a conservação e fruição de partes comuns do prédio e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o legislador clarificou que estas, quando necessárias, serão pagas por cada um dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sempre na proporção do valor destas.
  • As despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio.
  • As despesas relativas às partes comuns do prédio que beneficiem exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas beneficiam, exceto se o estado de conservação dessas partes comuns afetar o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns pelos demais condóminos, caso em que o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na parte que lhe corresponde proporcionalmente à sua fração.
  • Ressalva-se, porém, da situação referida no ponto anterior, os casos em que a necessidade de reparações de partes comuns que sirvam exclusivamente algum dos condóminos decorra de facto que lhe seja imputável, caso em que o condómino que beneficie do uso exclusivo daquelas responderá sozinho pelo valor da reparação a efetuar.

Reparações “indispensáveis e urgentes

  • Relevante no âmbito da conceptualização é a, agora, consagração legal daquilo que se deve entender por despesas “indispensáveis e urgentes”.
  • Assim, são consideradas indispensáveis e urgentes, as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

Assembleias de condóminos

  • A primeira reunião do condomínio, típica e legalmente exigida na primeira quinzena de janeiro de cada ano, passa a poder acontecer, ainda que a título excecional, durante o primeiro trimestre de cada ano, desde que tal hipótese:
    • esteja prevista no regulamento do condomínio; ou
    • resulte de uma deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.
  • O diploma passa a prever que os condóminos possam ser contactados, a propósito da reunião do condomínio, por correio eletrónico, desde que em assembleia anterior estes tenham manifestado a sua vontade nesse sentido, devendo essa manifestação de vontade ficar lavrada em ata com a indicação do respetivo endereço de correio eletrónico.
  • Na situação referida no ponto anterior, o condómino deve enviar, pelo mesmo meio, recibo de receção do respetivo e-mail convocatório.
  • Também este meio – correio eletrónico – pode ser o utilizado para a comunicação das deliberações tomadas aos condóminos que não tenham estado presentes na reunião, sempre e quando verificada a condição acima descrita.
  • O legislador tomou agora a opção de prever expressamente que as assembleias de condóminos nas quais não compareça o número de condóminos suficiente para se obter aprovação, podem ser realizadas 30 minutos após a hora que constava da primeira convocatória, no mesmo local, desde que estejam reunidas as condições para garantir a presença, no mesmo dia, de condóminos que representem ¼ do valor total do prédio.

Funções do administrador

Com a Lei nº 8/2022 também as funções do administrador do condomínio sofreram alterações.

Verificam-se, pois, ampliações destas a dois níveis. Por um lado, ampliações no sentido de lhe atribuir mais responsabilidades no que à gestão da vida financeira do condomínio diz respeito; por outro, responsabilidades a nível de iniciativa processual/judicial. Vejamos:

  • O administrador do condomínio passa a ter de controlar a existência do fundo comum de reserva e a exigir aos condóminos as quotas-partes das despesas aprovadas em assembleia;
  • É responsável por informar os condóminos, não só no caso de o condomínio ser notificado no âmbito de algum processo, seja de que natureza for, mas também periodicamente – no mínimo semestralmente – sobre o desenvolvimento destes;
  • É ainda responsável por executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;
  • O administrador do condomínio deve emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração;
  • Também no que diz respeito à realização de obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação se deve atentar numa importante alteração. Caso esta necessidade se dê, é necessário que o administrador apresente, no mínimo, 3 orçamentos distintos para a execução da mesma obra, à assembleia de condóminos;
  • Por fim, cabe ao administrador do condomínio intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação.

Representação do condomínio

  • O legislador veio clarificar que a representação do condomínio em juízo é sempre feita através do seu administrador, o qual pode agir em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
  • Passa a prever-se expressamente que a apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.

Responsabilidade por encargos do condomínio e declaração de inexistência de dívidas ao condomínio

Com o crescendo que o mercado imobiliário tem tido nacional e internacionalmente, também neste ponto vão tocar as alterações efetuadas pela nossa Lei. Vejamos:

  • Passa a exigir-se, para a alienação de uma fração, a junção de uma declaração, assinada pelo administrador no prazo de 10 dias após o pedido, que comprove a inexistência de dívidas da fração em causa.
  • Caso existam dívidas, da declaração tem de constar não só o seu montante, mas também o prazo de pagamento das mesmas e a natureza destas.
  • Quanto a esta matéria, esclarece, ainda, o legislador, que a responsabilidade por uma determinada dívida será aferida em função do momento em que a mesma deva ser liquidada, terminando assim com dúvidas quanto a quem – se o anterior ou o novo proprietário – deve ser responsável por determinadas dívidas.
  • Finalmente, estabeleceu ainda o legislador a possibilidade de, sob declaração expressa do comprador, este prescindir de tal declaração.

Alterações introduzidas ao Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro:

Atas

  • Passa a prever-se expressamente que as atas devem conter um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente:
    • data e local da reunião;
    • condóminos presentes e ausentes;
    • assuntos levados à reunião;
    • deliberações tomadas com o resultado de cada votação; e
    • o facto de a ata ter sido lida e aprovada.
  • Também aqui – num esforço de digitalização que louvamos – passa a ser possível subscrever eletronicamente a ata por parte do condómino, quer pela assinatura digital, quer por declaração do condómino enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via.

Dever de informação dos condóminos

No que às obrigações dos condóminos diz respeito, também a presente Lei veio trazer novidades.

Assim, a partir deste momento, estão os condóminos obrigados a informar o administrador do condomínio sobre os seguintes aspetos:

  • Os seus dados pessoais, como sejam o número de contribuinte, morada, os contactos telefónicos e de endereço eletrónico.
  • A alienação da fração de que são proprietários, devendo esta informação conter o nome completo e o número de identificação fiscal do novo proprietário. Caso não o façam no prazo de 15 dias após a alienação, o condómino alienante responsabiliza-se por quaisquer despesas inerentes à identificação do novo proprietário em que possa incorrer o administrador do condomínio e pelos encargos suportados com a mora no pagamento dos encargos que se vencerem após a alienação.

Fundo comum de reserva

  • Finalmente, aborda, ainda, a nova Lei a questão referente ao fundo comum de reserva, referindo que o mesmo deve ser, no prazo de 12 meses, reposto, através de uma quotização extraordinária, nos casos em que tenha sido previamente usado.

Assembleias de condóminos por meios de comunicação à distância

  • Na senda da digitalização já falada, foi opção do legislador a de referir, expressamente, que as assembleias de condóminos se poderão realizar através de meios de comunicação à distância. Esta opção ressalvará, como é claro, todas as situações em que os condóminos, justificando a sua posição, não possam atender à reunião através destes meios.

Dívidas ao condomínio

  • A Lei passa a explicitar os requisitos que deve conter a ata para constituir título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, prevendo expressamente que nela devem ser mencionados o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
  • Acrescenta-se ainda que esta ata constituirá título executivo não apenas para o montante em dívida, mas também para quaisquer juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
  • Cabe ao administrador instaurar a ação judicial destinada a cobrar as quantias em dívida, a qual deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.

Alterações introduzidas ao Código do Notariado:

Declaração de inexistência de dívidas ao condomínio

  • No que à alteração do Código do Notariado diz respeito, apenas notamos a menção referente à obrigatoriedade da declaração emitida pelo administrador do condomínio com o elenco da situação financeira da fração alvo de alienação em qualquer título pelo qual se partilhe ou transmita direitos sobre prédios, ou se contraiam encargos sobre eles.

 


Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Inês Matoso
Advogada Associada do Departamento de Fiscal

 


Medidas adotadas para Arrendatários e Senhorios no contexto do Estado de Emergência decretado por força do COVID-19

Com a nova Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril de 2020, a qual prevê um regime legal de exceção para as situações de mora no pagamento da renda, por força do decretado Estado de Emergência, o Governo veio, finalmente, a regular a questão que preocupava tantas famílias e empresas: a manutenção/suspensão do pagamento das rendas durante o Estado de Emergência.

A referida lei estabelece um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o Estado de Emergência e no primeiro mês subsequente, devidas nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, bem como noutras formas contratuais de exploração de imóveis.

Também estão previstos casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total das mesmas, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública. Ou seja, para os contratos entre particulares, apenas se prevê a possibilidade de suspender o pagamento das rendas, permanecendo as mesmas em dívida, e no mesmo montante, a pagar em período posterior à cessação do Estado de Emergência.

I. Relativamente ao arrendamento habitacional:

Sucintamente, a presente lei estabelece como requisitos para a sua aplicação, a i) verificação de uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a ii) existência de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos.

Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional.

Até aqui, a lei não distingue entre contratos para habitação permanente e segunda habitação.

Estabelece, também, a lei, que o inquilino que se encontre nestas condições pode solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana,  (IHRU, I. P.), a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%.

Este empréstimo aplica-se aos arrendatários de contratos para habitação permanente, bem como aos estudantes que arrendem habitação por frequência de estabelecimentos de ensino localizado a uma distância superior a 50 km da residência permanente do agregado familiar e aos fiadores de arrendatário habitacional que seja estudante e não aufira rendimentos do trabalho.

No caso dos inquilinos não solicitarem o referido empréstimo (parece que a lei o trata como facultativo), terão os senhorios a possibilidade de solicitar ao IHRU, I. P., a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS (em 2020, cifra-se em 438,81€).

A lei não diz o que acontece nos casos em que os senhorios recorram a este empréstimo e os inquilinos venham a incumprir a obrigação de pagamento das rendas agora “suspensas”. Terá o senhorio de continuar a assumir o empréstimo, ficando com uma dívida que não teria, não fosse a adoção desta medida?

Quanto a esta questão, chegou a ser feita uma proposta de alteração à lei por um dos partidos com assento parlamentar, onde se propunha que o Estado figurasse como devedor solidário da dívida do inquilino, o que permitiria assegurar algum conforto aos senhorios que recorressem ao referido empréstimo. Esta alteração não foi, no entanto, aprovada, pelo que não está expresso que se possa responsabilizar o Estado pela dívida contraída pelo senhorio em função deste novo regime excecional.

Os arrendatários que pretendam recorrer a este regime legal terão de notificar o senhorio por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do referido regime, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos definidos pela Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril.

No caso das rendas que se vençam a partir de 1 de abril de 2020, o prazo de notificação é de 20 dias, após a entrada em vigor da lei.

II. No que diz respeito ao arrendamento não habitacional:

Este regime de exceção aplicar-se-á:

  1. aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência;
  2. aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio.

Nestes casos, o senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.

A lei não prevê qualquer prazo – ou obrigação sequer - para o arrendatário não habitacional notificar o senhorio da intenção de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, embora seja aconselhável que, nestes casos, se siga o regime do arrendamento habitacional, notificando o senhorio até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do regime de exceção, ou até 20 dias após a data de entrada em vigor da presente lei, para as rendas que se vençam posteriormente a 1 de abril de 2020.

Por último, será importante referir que este regime excecional, ao prever apenas a possibilidade de diferimento do pagamento das rendas devidas durante o Estado de Emergênciae no primeiro mês subsequente, tem como principal objetivo o de despenalizar a mora.

O que não quer dizer, necessariamente, que este regime excecional, ao prever aquela solução, afaste a possibilidade das partes recorrerem ao regime geral da alteração de circunstâncias, para efeitos de modificação do contrato - em especial, a redução da renda – ou de resolução do mesmo, no caso de se poderem, em concreto, aplicar os seus pressupostos.

 


Manuel Ferreira da Costa
Sócio

Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado 

 


Impactos do COVID-19 no Setor Imobiliário

I. Aspetos a ter em consideração relativamente a novos contratos

Negociação de contratos

  • Tendo em conta a atual situação epidemiológica em que vivemos, que tem fortes impactos nas relações contratuais, as partes devem ter cuidados redobrados na negociação de novos contratos, adotando cláusulas excecionais que prevejam as consequências decorrentes da impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais, tendo em conta a atual conjuntura que não sabemos por quanto tempo mais perdurará.
  • Assim, é aconselhável às partes, enquanto durar a presente situação, negociar cláusulas que, nomeadamente:

i) regulem um potencial incumprimento que decorra, direta ou indiretamente, da atual situação epidemiológica;

ii) prevejam a suspensão ou prorrogação de prazos do cumprimento das várias obrigações previstas no contrato;

iii) flexibilizem, quando possível, a denúncia e resolução do contrato.

Outorga de escrituras públicas em Cartórios Notariais

  • Muitos Cartórios Notariais encerraram o atendimento ao público depois de ter sido decretado o estado de emergência.
  • Ainda assim, existem alguns Cartórios Notariais que continuam a prestar atendimento ao público e a agendar escrituras públicas.
  • Se alguma das partes que devam estar presentes numa determinada escritura pública for uma pessoa de risco, sujeita a um dever especial de proteção (por ser maior de 70 anos, por ser portadora de doença crónica, etc.), deve ser equacionada a possibilidade de outorga de uma procuração para a sua representação na prática do ato a outorgar.

Funcionamento das Conservatórias do Registo Predial

  • O atendimento presencial nas Conservatórias do Registo Predial encontra-se, de momento, suspenso, pelo que não é possível apresentar pedidos de registo presenciais.
  • A solução para este problema passa por promover pedidos de registo on-line.
  • Os processos de registo poderão levar mais tempo do que o normal, tendo em conta que as Conservatórias do Registo Predial estão, de momento, a trabalhar com cerca de 50% dos seus funcionários, mas não deixarão de ser analisados.

II. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos em vigor: o caso particular dos contratos-promessa

  • Relativamente aos contratos em vigor, nomeadamente os contratos-promessa de compra e venda de imóveis, muitas dúvidas se impõem face às dificuldades que as partes terão de cumprir as obrigações prometidas, neste contexto de emergência social.
  • O caso mais típico será o do comprador, obrigado a reforçar o sinal ou a despender a quantia remanescente para a aquisição do imóvel prometido comprar, que se pode deparar com uma impossibilidade de cumprir. Será importante perceber qual a razão da impossibilidade, bem como será fundamental analisar o contrato em concreto.
  • Nos casos em que as partes fizeram depender a compra da aprovação de crédito bancário, os compradores estarão, em princípio, com a vida mais facilitada, uma vez que, caso o banco lhes negue o empréstimo, poderão resolver o contrato com esse fundamento e exigir a devolução do sinal em singelo.
  • E o que acontece nos casos em que o contrato pura e simplesmente prevê um preço e um prazo para a sua compra, sem mais, sem dependência ou menção ao recurso a crédito bancário?
  • Nesses casos, a solução jurídica é mais complexa e em muitos deles, mesmo recorrendo às regras gerais, não será possível ao promitente comprador eximir-se das obrigações assumidas. Mesmo na regra geral de direito que pode parecer de aplicação mais evidente – alteração das circunstâncias -, muitas dúvidas surgem quanto à sua aplicação.
  • Com efeito, quais são as circunstâncias que se alteraram, face à conjuntura de emergência que vivemos, num contrato típico de compra e venda de um imóvel?
  • Antes da referida conjuntura, uma parte prometeu vender um imóvel e outra prometeu comprar, por um determinado preço. Pode, simplesmente, a parte que promete comprar alegar que já não tem dinheiro? Se nada foi acordado quanto às circunstâncias em que o promitente comprador iria reunir o dinheiro para comprar o imóvel, não nos parece que se possa opor o argumento, a quem vende, de que já não há dinheiro para comprar ou de que é demasiado arriscado avançar com o negócio.
  • Coisa diferente se passará, pensamos, com a obrigação de entrega do imóvel por parte do promitente vendedor.
  • Numa altura em que foi decretado o dever geral de recolhimento domiciliário e em alguns casos até mesmo o confinamento obrigatório, poderá o promitente vendedor incumprir a obrigação de entrega do imóvel no prazo prometido, sem as típicas consequências desse incumprimento? Este é um dos casos onde a alteração de circunstâncias poderá ter um peso diferente no parecer sobre o caso concreto.
  • Por último, surge a importante questão de saber se, mesmo querendo ambas as partes cumprir as suas obrigações (uma vendendo e entregando, outra comprando e pagando), será possível outorgar o contrato definitivo de compra e venda.
  • Sabendo que a Lei exige forma especial para a transmissão de imóveis (escritura pública ou documento particular autenticado), e tendo em conta que a maioria dos Notários e outros agentes que outorgam este tipo de contratos estão com a sua atividade encerrada ou muito limitada, pode dar-se o caso de não ser possível celebrar a compra e venda no prazo previsto contratualmente, com todos os problemas jurídicos que isso pode acarretar, nomeadamente ao nível da perda de interesse no negócio e/ou impossibilidade de cumprimento decorrido determinado prazo.

III. Aspetos a ter em consideração relativamente a contratos de arrendamento

Medidas de proteção dos arrendatários e senhorios:

  • O encerramento das instalações e estabelecimentos por força das medidas decretadas pelo Governo em execução do Estado de Emergência não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, bem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrem instalados.
  • Durante a vigência deste regime excecional, ficam suspensas:

i) as ações e procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;

ii) quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável.

  • Durante a vigência deste regime excecional e até 60 dias posteriores à respetiva cessação, fica suspensa:

i) a produção de efeitos das denúncias dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;

ii) a caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;

iii) a produção de efeitos da revogação e da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;

iv) a contagem do prazo de seis meses para despejo do prédio, previsto no artigo 1053.º do Código Civil, se o termo desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas;

v) a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.

  • Regime de mora no pagamento de rendas: a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, consagra um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente.

Arrendamento habitacional:

i) Aplica-se quando se verifique uma quebra de rendimentos do agregado familiar superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do mesmo período do ano anterior, conjuntamente com a subida ou manutenção de uma taxa de esforço para o pagamento da renda de, pelo menos, 35%, calculada sobre os rendimentos;

ii) O senhorio não tem direito a resolver o contrato por falta de pagamento das rendas, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, no prazo de 12 meses contados do termo do regime excecional;

iii) No caso dos arrendatários habitacionais e fiadores dos estudantesque não aufiram rendimentos do trabalho, existe a possibilidade de solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%;

iv) Caso os arrendatários não solicitem este empréstimo, terão os senhorios a possibilidade solicitar ao IHRU a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.

Arrendamento não-habitacional:

i) Aplica-se aos: (a) estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas, ao abrigo de disposições legais destinadas à execução do Estado de Emergência e (b) aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio;

ii) O senhorio não tem direito a resolver ou denunciar o contrato por falta de pagamento das rendas, nem a pedir a desocupação do locado pelo mesmo motivo, se o inquilino lhe vier a pagar os montantes em falta, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, após o fim do regime excecional.

Tanto no caso de arrendamento habitacional, como no caso do arrendamento não-habitacional, é excluída a aplicação da indemnização pelo atraso no pagamento das rendas quando o arrendatário proceda ao pagamento nos doze meses subsequentes ao fim do regime excecional.

Este regime prevê também casos de possibilidade de redução da renda e até isenção total do pagamento da renda, mas apenas para imóveis em que o senhorio seja uma entidade pública.

IV. Medidas a ter em consideração relativamente ao crédito à habitação

  • O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, prevê medidas que irão permitir que as famílias que se encontram em situação de carência económica tenham a possibilidade de beneficiar da concessão de moratórias no pagamento do seu crédito à habitação.
  • De acordo com o referido diploma legal, são elegíveis para beneficiar de tais medidas, para além das microempresas, das PME, dos empresários em nome individual e das IPSS, as seguintes pessoas singulares, relativamente a crédito para habitação própria permanente:

i) Que estejam em situação de isolamento profilático ou de doença;

ii) Que prestem assistência a filhos ou netos;

iii) Que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial;

iv) Que estejam em situação de desemprego registado no IEFP;

v) Os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente; e

vi) Os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.

  • As medidas de apoio que foram criadas são as seguintes:

i) Proibição de revogação, total ou parcial, das linhas de crédito contratadas e dos empréstimos concedidos;

ii) Prorrogação, durante o período de tempo em que vigorarem estas medidas, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato;

iii) Suspensão, durante o período de vigência destas medidas, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao termo desse período.

  • A extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos não poderá dar origem a: (i) incumprimento contratual; (ii) ativação de cláusulas de vencimento antecipado; (iii) suspensão do vencimento de juros devidos durante o período de prorrogação; e (iv) ineficácia ou cessação das garantias concedidas, designadamente seguros, fianças e avales.
  • Para acederem a tais medidas, as entidades beneficiárias deverão remeter ao respetivo Banco uma declaração de adesão à aplicação da moratória, assinada pelo mutuário e acompanhada da documentação comprovativa da regularidade da respetiva situação contributiva.
  • Os Bancos terão um prazo máximo de 5 dias úteis para aplicar as referidas medidas. Se verificarem que o requerente não preenche os requisitos necessários, terão um prazo máximo de 3 dias úteis para o informar disso mesmo.

 


Manuel Ferreira da Costa
Sócio

Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado 

Manuel Minas
Advogado Associado