COVID-19 e o (não) pagamento das mensalidades do ensino privado – Quid Juris?

Em contexto de pandemia, no passado dia 12 de março de 2020, o Governo decretou a suspensão de todas as atividades letivas e não letivas presenciais, em todos os níveis de ensino e, em consequência, decretou o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, a partir de 16 de Março, mantendo-se, nessa data, a indefinição quanto à duração desta medida.

Alguns dias depois, a 18 de março, foi aprovado pela Assembleia da República o decreto presidencial que decretou o Estado de Emergência, com o objetivo de combater a pandemia de COVID-19, através do decretamento de várias medidas de carácter excecional, sendo que este Estado de Emergência foi sendo sucessivamente prorrogado, por períodos de 15 dias, encontrando-se a vigorar, a última das prorrogações, até ao próximo dia 2 de maio.

Grande parte das dúvidas, quanto à duração da medida de suspensão das atividades letivas e não letivas e do encerramento das instituições de ensino, dissipou-se no final da reunião de Conselho de Ministros de dia 9 de abril, na qual o Primeiro-Ministro António Costa anunciou que, no corrente ano letivo, apenas os alunos dos 11.º e 12.º anos poderão voltar a beneficiar de aulas presenciais – nem que seja de algumas semanas -, sendo que, para os restantes alunos, do 1.º ao 10.º anos de escolaridade, o ano letivo prosseguiria em regime de ensino à distância, tal como tinha acontecido até às férias letivas da Páscoa.

Já quanto às atividades de creche (até aos 3 anos) e jardins de infância (dos 3 aos 6 anos), é ainda imprevisível qual será a opção do Governo após 2 de maio. Mas para já, as crianças destas valências permanecem igualmente em casa e os respectivos estabelecimentos escolares encerrados.

Uma vez encerradosos estabelecimentos de ensino, as crianças passarama ficaremcasa, implicando que o pai e/ou a mãe tenham que articular o seu teletrabalho com as atividades escolares das crianças ou, no caso de aquele teletrabalho não ser possível, solicitar assistência à família, faltando ao trabalho para poder assegurar oscuidadose as atividades das crianças. Ou seja, as funções educativas que os pais, anteriormente e por força dos contratos de prestação de serviços de educação que celebraram com as instituições de ensino, atribuíram às escolas, aos educadores e aos professores, é-lhes agora atribuída, de modo forçado e por tempo indeterminado.

Neste cenário, a questão complexa que se coloca é a de saber se, no caso do encerramento obrigatório dos estabelecimentos de ensino privados, independentemente das valências em causa, os progenitores:

  • Estão obrigados à manutenção do pagamento das respectivas mensalidades nos exatos termos em que tal obrigação foi contratada;
  • Poderão exigir uma redução destas mensalidades que seja proporcional à redução dos serviços escolares agora prestados;
  • Ou, simplesmente, não estão obrigados ao seu pagamento, podendo resolver com justa causa os contratos de prestação de serviços que celebraram com as respectivas instituições.

Antes de mais, refira-se, desde já, que a posição tem sido unânime no que respeita à não cobrança dos valores, por parte dos estabelecimentos de ensino privados, relativos às atividades extracurriculares, aos prolongamentos de horário, ao transporte escolar e à alimentação, enquanto decorrer o encerramento forçado decretado pelo Governo.

Já quanto às mensalidades, a questão é mais complexa, especialmente se se considerar que estas correspondem, na maioria dos casos, a valores anuais de matrícula que foram fracionados em mensalidades, pelo que se torna difícil defender a, pura e simples, inexigibilidade do seu pagamento.

É necessário, por isso, avaliar cada caso, aconselhando-se cautela aos pais no que respeita à adoção de posições mais extremadas, uma vez que a supressão, sem mais, do pagamento das mensalidades pode originar, por parte dos estabelecimentos de ensino, o cancelamento das matrículas e a consequente ausência de avaliação, prejudicando, em última análise, os filhos.

Além disso, é importante também distinguir-se as situações em que não está a ser prestada qualquer atividade às crianças, das situações em que, apesar do encerramento compulsivo, os colégios continuam a prestar apoio à distância, seja através de aulas on-line, planificação de aulas e atividades, envio de exercícios e disponibilidade para a respetiva correção e aprofundamento de dúvidas dos educandos.

Como enquadrar legalmente este cenário e quais as opções dos pais, de acordo com a lei?

O contrato celebrado entre os pais e os colégios é um contrato de prestação de serviços (cfr. artigo 1154.º do Código Civil), de acordo com o qual determinada instituição de ensino se obriga a prestar serviços de educação e formação a determinado educando, no âmbito de determinadas propostas educativas (creche, pré-escolar, ensino básico, etc.), em cumprimento do plano de currículo definido pelo Ministério da Educação e com o objetivo de desenvolver determinadas competências nas diferentes áreas disciplinares.

Como contrapartida à prestação de tais serviços de educação, os pais obrigam-se, por sua vez, ao pagamento de uma anuidade, fracionada em mensalidades (podem ser 10, 11 ou mesmo 12, consoante o funcionamento das instituições de ensino).

Atendendo ao objeto deste contrato e às prestações contratuais de ambas as partes, podemos concluir que, mesmo em situação de Estado de Emergência, devido à pandemia por COVID-19 como a que vivemos, se se continuar a respeitar a sua essência, o seu conteúdo principal – isto é, a prestação de serviços de educação e de formação em determinada valência de ensino -, deverá manter-se na íntegra a obrigação de pagamento das mensalidades por parte dos pais, sem que exista, neste caso, qualquer justificação para exigir a modificação do contrato, mais concretamente a redução do valor das mensalidades.

Pensemos, por exemplo, nas situações em que são assegurados por parte da instituição de ensino os serviços de formação e aprendizagem aos seus alunos, através da disponibilização de todas as aulas e materiais on-line, de acordo com os respetivos horários e respeitando o currículo e os planos de estudo das diferentes disciplinas, bem como o acompanhamento diário dos alunos por parte dos professores, permitindo a avaliação final nas várias disciplinas. Não é por tal acontecer na sala ou no quarto dos alunos, e não em sala de aula, que existirá motivo para não considerar cumprido o contrato por parte do prestador de serviços.

Sem pretender menosprezar a relação educador/criança ou professor/aluno, a verdade é que também terá que se apurar, em função da cada valência escolar em particular, a maior ou menor relevância desta dicotomia para que os referidos serviços se considerem cumpridos. Da mesma forma que terá que se apurar a maior ou menor necessidade de intervenção dos pais neste regime à distância, sendo certo que quanto mais velha for a criança, mais autonomia terá neste ensino à distância.

Ao invés, nos casos em que a prestação principal da instituição de ensino (prestação de serviços de educação) é beliscada, terá que se concluir pelo incumprimento do contrato, abrindo-se o caminho à admissibilidade legal de poder ser exigida a sua modificação ou, quando tal prestação essencial é severamente atingida, a sua resolução.

São os casos, por exemplo, das valências de berçário ou de creche, em que a presença do educador no dia-a-dia da criança é fundamental para o cumprimento do objeto do contrato, ou os casos dos estabelecimentos de ensino que não têm recursos (humanos, financeiros ou logísticos) para implementar as plataformas informáticas de ensino à distância, pelo que não conseguem assegurar a formação e a mesma qualidade de ensino que assegurariam presencialmente.

Como devem, então, os pais agir quando o objeto do contrato de prestação de serviços é gravemente alterado?

No caso de incumprimento por parte do prestador de serviço, designadamente por impossibilidade de cumprimento, face a um situação de pandemia como a que vivemos atualmente, há que analisar, em primeiro lugar, o conteúdo dos contratos de prestação de serviços celebrados entre as instituições e os pais, assim como o clausulado dos Regulamentos Internos de cada instituição de ensino, apreciando se estas situações de encerramento forçado se encontram aí previstas e, em caso positivo, quais as soluções aí propostas.

O mais provável é que tal cláusula não exista, pelo que teremos que nos socorrer dos preceitos legais em matéria de incumprimento contratual, mais precisamente, no caso em apreço, do regime previsto nos artigos 790.º e seguintes do Código Civil, e do regime da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, previsto no artigo 437.º, também do Código Civil.

A escolha sobre o regime a aplicar depende, antes de mais, das circunstâncias concretas do caso, não se podendo, contudo, ignorar que, a opção pela resolução contratual, quando não convencionada pelas partes contratantes, depende da invocação e verificação de um fundamento legal (cfr. artigo 432.º do Código Civil), recaindo sobre a parte contratante, que resolve o contrato, o ónus de alegar e provar o fundamento que justifica o fim do vínculo contratual estabelecido, sob pena de, não o conseguindo, impender sobre si o dever de indemnizar a outra parte (nos termos gerais).

A) Artigos 790.º e seguintes do Código Civil – Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor

Neste âmbito, e para perceber melhor este regime, não podemos esquecer que os pais são credores da obrigação de prestar os serviços de educação, mas são devedores da obrigação de pagamento das mensalidades; já os prestadores dos serviços são credores das mensalidades, mas devedores da referida prestação.

Uma obrigação contratual extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor, sendo que, se tal impossibilidade for temporária (isto é, se se mantiver o interesse do credor), poderá suspender-se enquanto se mantiver tal impossibilidade (cfr. artigos 790.º, n.º 1 e 792.º, n.º 2, ambos do Código Civil).

Assim, à luz deste regime teremos que analisar se as medidas excecionais adotadas para conter a pandemia de COVID-19 constituem uma impossibilidade invocável para justificar um eventual incumprimento das obrigações contratuais, sendo que, em caso positivo, ficam os devedores desonerados de indemnizar a outra parte e, em caso negativo, o dever de indemnizar persiste.

A impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor (prevista no artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil), abarca apenas as situações de força maior, caso fortuito, impedimento por facto imputável à outra parte contraente ou por facto de terceiro, ou, ainda, impedimento da própria lei, sendo que teremos que concordar com a jurisprudência dos tribunais portugueses quando consideram que a mera impossibilidade relativa da prestação (difficultas praestandi), resultante da excessiva onerosidade ou dificuldade da prestação para o seu devedor, não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue.

Por outro lado, há que atender às exigentes regras de repartição do ónus da prova, previstas na lei civil, de acordo com as quais ficará a cargo do devedor, que invocar este impossibilidade, alegar e provar que:

  • não lhe foi possível realizar a sua prestação (prestação de serviços de educação por parte dos colégios e o pagamentos das mensalidades por parte dos pais),
  • por facto que não lhe é imputável (no caso dos colégios, será o encerramento forçado dos estabelecimentos de ensino; no caso dos pais, poderá ser a redução ou supressão dos rendimentos familiares),
  • sendo que tal impossibilidade, apesar de parcial, tem que ser absoluta e objetiva.

B) Artigo 437.º do Código Civil – Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias

Nos contratos de execução duradoura, como é o caso dos contratos de prestação de serviços de educação, a existência de incumprimento definitivo (por verificação de impossibilidade da prestação) ou a possibilidade do seu cumprimento são determinados à luz do interesse do credor na manutenção do contrato.

Significa isto que, as medidas excecionais adotadas para conter a pandemia de COVID-19 (designadamente, o encerramento forçado das instituições de ensino), que originaram a impossibilidade de cumprimento dos contratos, ainda que temporária, por parte das instituições de ensino, podem tornar excessivamente oneroso para os pais manter o cumprimento do contrato, nos termos previamente estipulados, o que pode justificar a resolução ou modificação do mesmo, à luz do disposto no artigo 437.º do Código Civil.

Porém, há que ter algumas cautelas, uma vez que este regime é excecional e comporta requisitos exigentes para a sua aplicabilidade.

Prevê o artigo 437.º do Código Civil que “1.Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fée não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. 2.Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

A primeira ideia que se retira deste preceito é a de que, havendo acordo entre as partes (pais e colégios), pode haver uma redução/suspensão do valor das comparticipações, a título de mensalidades, com ponderação da situação particular de cada família, dos serviços efetivamente prestados e das despesas mensais da própria instituição e da sua sustentabilidade.

Não existindo acordo, e atendendo ao que foi referido acima, não existindo, de todo, a prestação de quaisquer serviços de educação, consideramos defensável, s.m.o., que esse incumprimento, motivado por uma situação de pandemia, não pode ser encarado como integrando um risco próprio do contrato, sob pena de violação grave dos princípios da boa fé contratual. O que legitimaria, nestes casos, os pais a exigirem, quer a modificação do contrato ou, no limite, a sua resolução.

 

Em conclusão, em clima de COVID-19, independentemente do regime escolhido pelos pais para obviarem ao pagamento das mensalidades devidas por força dos contratos de prestação de serviços de educação celebrados com as instituições privadas de ensino, terá que haver alguma cautela, atendendo ao carácter excecional de ambos os regimes e aos apertados requisitos para a sua aplicabilidade, para que a pretensão não seja frustrada.

Em nossa opinião, terá que existir uma completa omissão do objeto do contrato, com a quase total ausência de prestação de serviços de educação por parte dos colégios, ainda que à distância, para se considerar admissível a exigência, por parte dos pais, do não pagamento integral das mensalidades.

Todavia, atendendo ao carácter excecional das medidas tomadas em contexto da pandemia COVID-19, que não admitirá qualquer analogia com situações semelhantes, será difícil determinar qual será a posição dos nossos tribunais nesta matéria, pelo que será de prever, como solução mais prudente, a exigibilidade da modificação destes contratos, com a redução do valor das mensalidades, em proporção dos serviços de educação efetivamente prestados, ainda que à distância.

 


Rute Louro
Advogada Associada

 


Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto do COVID-19

No passado dia 18 de Março, foi aprovado, pela Assembleia da República, o decreto presidencial que estabeleceu o Estado de Emergência, com o objetivo de combater a pandemia do COVID-19.

A Presidência do Conselho de Ministros veio, posteriormente, através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, procederà execução da declaração do Estado de Emergência adotando várias medidas de carácter excecional.

Do elenco destas medidas excecionais, a única medida adotada, para já, no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, é a que refere que, apesar do dever geral de recolhimento obrigatório, é permitido aos cidadãos circular em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicaspara deslocações,por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente.

Ou seja, quer isto dizer que o Governo, de todas as temáticas que poderia excecionar, e com todas as limitações que uma escolha destas naturalmente implica (não é possível prever todos os cenários), optou por prever expressamente medidas de exceção que permitem a manutenção dos regimes de responsabilidades parentais em vigor.

Ainda assim, atendendo ao carácter geral desta medida, são comuns os casos em que os pais não sabem como agir perante este contexto e em que os incumprimentos se irão suceder, com maior, ou menor, fundamento.

Com efeito, face a este contexto de Estado de Emergência, novo e absolutamente excecional para todos, surgem muitas e fundadas dúvidas em todos os campos do Direito, nomeadamente no das responsabilidades parentais e a sua aplicação prática.

Por exemplo, em que casos se justificará, apesar da medida prevista, a suspensão do regime acordado ou decidido judicialmente, designadamente quanto às visitas e convívios dos menores com ambos os pais?

E no que respeita aos alimentos devidos aos menores, atentas as dificuldades económicas que se avizinham, será de manter o pagamento das quantias mesmo em caso de drástica diminuição de rendimentos do progenitor obrigado a tal prestação?

As soluções apresentadas para estas questões não são simples, nem taxativas, e devem ter em consideração as particularidades de cada caso em concreto, sendo certo que o superior interesse da criança deverá continuar a ser o princípio orientador de toda a atuação parental, ainda que num contexto de exceção, como é o da presente conjuntura.

 

I. Eventuais alterações ao regime de residência alternada ou ao regime de visitas, no caso de residência habitual com um dos progenitores

Se um regime de residência alternada de um menor com ambos os progenitores consagra, normalmente, tempo igual (ou praticamente igual) de convívio entre os progenitores e os seus filhos menores, não é menos verdade que, num regime de residência habitual do menor com um dos progenitores, o direito de visita do outro progenitor, para além de constituir um direito fundamental deste, impõe a salvaguarda do superior interesse do próprio menor em manter com ambos os progenitores a relação de grande proximidade consagrada no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil. Apresença de ambos os progenitores na vida dos filhos menores é fundamental para o seu crescimento equilibrado e feliz, bem como para o desejável desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.

Nesse sentido, os convívios dos menores com ambos os progenitores só poderão ser excecionalmente limitados ou excluídos se o superior interesse da criança assim o aconselhar.

Significa isto que, atendendo aos direitos em causa e aos princípios fundamentais subjacentes nesta matéria, não será defensável, sem mais, a suspensão do regime de residência alternada ou do regime de visitas do progenitor, em caso de residência habitual com um dos progenitores.

A análise terá de ser casuística e deverão ser ponderados todos os fatores determinantes para cada agregado familiar.

A forma de conciliar este período conturbado, no qual se exige um dever de isolamento social profilático, com o superior interesse dos menores e com os direitos dos progenitores de privarem com os filhos de igual forma, é fazendo imperar o bom senso e a comunicação entre os progenitores, procurando adaptar os acordos e as decisões judiciais em vigor a esta nova realidade transitória.

Num regime de residência alternada, em que o menor passa semanas ou quinzenas alternadas com ambos os progenitores, não haverá, em princípio, qualquer limitação na manutenção desta alternância, sendo razoável que os progenitores se abstenham de visitas ou pernoitas intermédias no meio dessas semanas, com vista à redução do número de trocas, limitando-se a fazer as trocas semanais ou quinzenais.

Já no caso de um regime de residência habitual do menor com apenas um dos progenitores, em que estão fixados determinados dias de visitas do outro progenitor, o regime deverá ser o mesmo, ou seja, devem manter-se as visitas, procurando, embora, condensar-se os períodos que os menores passam com o progenitor com quem não residem, diminuindo as deslocações e as trocas de residências. Ou seja, será defensável eliminar as visitas a meio da semana ou alterar as mesmas para as vésperas do fim de semana seguinte, no caso deste ser passado com o progenitor em causa.

O importante é que, seja qual for o regime ou a residência, ambos os progenitores assegurem aos filhos menores as devidas condições de isolamento social.

Neste contexto, terá que se avaliar, em ambos os regimes, se alguma das residências dos progenitores, se revela mais insegura, ao nível da proteção da saúde do menor.

Por exemplo:

i) os progenitores que continuem a desempenhar funções laborais durante o período de isolamento/quarentena, designadamente em zona de elevado risco de contágio (polícias, bombeiros, médicos, etc.), poderão representar um risco para o menor e para o outro progenitor e restante família;

ii) no caso dos progenitores que se encontrem ambos a trabalhar presencialmente, será de distinguir as situações em que um se desloca de carro e outro de transporte(s) público(s), sendo que, neste último caso, este progenitor representará um risco maior no referido contexto;

iii) os agregados familiares que integrem pessoas com mais de 65 anos ou que pertençam aos grupos de risco, designadamente grávidas, pessoas que sofrem de hipertensão, diabetes, doenças autoimunes, doenças cardiovasculares e/ou respiratórias, poderão constituir ambientes mais fragilizados em que as exigências de isolamento social poderão levar à suspensão do regime de visitas.

Em vez de ambos os progenitores exigirem simplesmente o cumprimento do acordado, deverá existir um esforço conjunto de adaptação do regime existente a este contexto de crise. Sem cedências, o mais provável é que um dos progenitores retenha o(s) filho(s) menor(es) na sua residência até terminarem as medidas de quarentena/isolamento decretadas pelo Governo, com claro prejuízo dos direitos do outro progenitor e, mais importante, dos direitos da(s) criança(s) envolvidas que se vêem privadas do convívio com o outro progenitor.

E, diga-se, de nada servirá a ambos os progenitores manter o litígio, sendo certo que os tribunais não serão:

i) por um lado, o mecanismo adequado a assegurar o cumprimento imediato dos acordos ou decisões judiciais em vigor, por se encontrarem num regime equiparado ao das férias judiciais e a tramitar apenas os processos considerados urgentes;

ii) e, por outro, decorrido o período de crise, será de esperar a condenação do progenitor incumpridor apenas nos casos de manifesta falta de fundamento, o que, neste contexto, será muito complicado alegar e provar.

  

II. Eventuais alterações ao pagamento da pensão de alimentos aos filhos menores

Num cenário normal, qualquer alteração da prestação de alimentos tem de ser autorizada previamente pelo tribunal, não devendo os pais, unilateral e voluntariamente, fazer cessar ou reduzir o valor dos alimentos que se encontram obrigados a pagar mensalmente, por força de um acordo com o outro progenitor, ou por força de uma decisão judicial que assim o impôs.

Ou seja, as alterações das circunstâncias iniciais (como a redução posterior e significativa dos rendimentos do progenitor obrigado a prestar alimentos) poderão justificar um pedido de alteração quanto a alimentos, incluindo a sua cessação, mas só após a devida autorização por parte do tribunal.

Claro que, e ainda num cenário normal, há casos de pais que, confrontados com uma súbita impossibilidade de pagamento, deixam de efetuar o pagamento, dando entrada do pedido de alteração a posteriori. Nestes casos, mesmo a ser concedido o pedido de alteração, ficará ao critério do tribunal determinar, ou não, o pagamento dos alimentos não pagos.

Nas circunstâncias atuais, que são absolutamente excecionais, não é possível assegurar em que sentido irão ser proferidas as decisões dos tribunais, nem tão pouco se as mesmas serão tomadas em tempo útil.

Também é importante ter em conta que, em muitos casos, se o progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, por força desta crise sanitária, deixou de ter os mesmos rendimentos, é possível que o outro progenitor também esteja na mesma situação. Isto é, o mais expectável é que as circunstâncias se alterem para ambos os progenitores.

No entanto, admitindo como hipótese uma situação em que o progenitor obrigado aos alimentos deixe de ter quaisquer rendimentos, terá este de ponderar vários fatores antes de decidir, unilateralmente, reduzir ou cessar o pagamento da pensão de alimentos ou da sua comparticipação em despesas de saúde e de educação do filho menor. Porventura, será importante avaliar se o montante fixado da pensão e/ou da comparticipação nas despesas do menor  tinha em conta a manutenção de um nível de vida que agora não se justificará manter, ou qual o impacto que essa redução poderá ter no orçamento do outro progenitor e, portanto, diretamente na subsistência da criança.

Não obstante nos encontrarmos em tempo de absoluta exceção, ainda assim, qualquer redução da prestação de alimentos terá de ser justificável face às atuais circunstâncias, tendo sempre como limite a saúde e o normal desenvolvimento dos menores, que jamais poderão estar em risco.

Não estarão abrangidas por esta análise os casos de situações de pobreza extrema, as quais, neste contexto ou noutro, envolvem outros mecanismos legais, nomeadamente os de proteção social.

Por último, é importante mencionar que, nesta conjuntura, ou fora dela, existe sempre a possibilidade de recorrer ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, o qual assegura o pagamento das prestações de alimentos, em substituição do pai/mãe faltoso(a), no caso de incumprimento desta obrigaçãoe uma vez reunidos determinados requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, com a última redação conferida da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

 


Alexandre Sousa Machado
Sócio 

Mafalda Vaz Pinto
Sócia 

Rute Louro
Advogada Associada

Lourenço Sousa Machado
Advogado Associado