Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de Maio - Medidas de combate ao aumento dos preços no setor da construção
No dia 21 de maio entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio, ao abrigo do qual o Governo pretende dar resposta ao aumento abrupto dos preços das matérias-primas, dos materiais e da mão de obra no setor da construção, por efeito da pandemia provocada pela COVID-19, da guerra na Ucrânia e da crise global no setor da energia.
É este regime excecional e temporário que nos propomos, sinteticamente, analisar.
O presente diploma aplicar-se-á a (i) contratos de empreitadas de obras públicas quer estejam estes em execução ou ainda por celebrar; (ii) procedimentos de contratos públicos iniciados ou a iniciar; (iii) contratos públicos de aquisição de bens e de serviços e ainda (iv) outros contratos sujeitos às regras da contratação pública.
De entre as medidas previstas, realçamos a possibilidade atribuída ao empreiteiro de apresentar um pedido, dirigido ao dono da obra, para rever os preços previamente estabelecidos, sempre e quando um “determinado material, tipo de mão-de-obra ou equipamento de apoio”:
- Represente, ou venha a representar durante a execução do contrato, pelo menos 3% do preço contratual; e
- A taxa de variação homóloga do custo seja igual ou superior a 20%.
Para o efeito exige-se que a tal faculdade seja exercida até à receção provisória da obra e inclua, obrigatória e fundamentadamente, a forma de revisão extraordinária dos preços pré-estabelecidos. Esta revisão, tal como consta do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de Maio, realizar-se-á pelos métodos previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de Janeiro.
A este pedido terá de ser dada resposta por parte do dono da obra no prazo de 20 dias, sob pena de aceitação tácita.
Outra das medidas previstas no diploma em apreço, respeita à da possibilidade de prorrogação do prazo de execução do contrato, com fundamento em atrasos no cumprimento do plano de trabalhos por “impossibilidade de o empreiteiro obter materiais necessários para a execução da obra, por motivos que comprovadamente não lhe sejam imputáveis”. Também quanto a este pedido terá de ser dada resposta por parte do dono da obra no prazo de 20 dias, sob pena de aceitação tácita.
As medidas extraordinárias previstas por este regime manter-se-ão em vigor até 31 de dezembro de 2022.
Martim Pita Negrão
Sócio
Breve nota sobre a Lei n.º 18/2020, de 23 de abril que flexibilizou os procedimentos de aquisição de bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento do COVID-19
- Foi recentemente publicada a Lei n.º 18/2020, de 23 de abril, a qual veio alterar oDecreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, flexibilizando os procedimentos de aquisição de bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento da doença COVID-19, por forma a fazer face à disponibilidade escassa e à forte concorrência entre países no acesso a esses bens e serviços.
- Este diploma veio alargar a possibilidade de escolha, pela Direção-Geral da Saúde, pela Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, I. P. e pela Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., do procedimento de ajuste direto simplificado, por critério material, independentemente do preço contratual, para celebração de contratos cujo objeto consista na aquisição de:
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- Equipamentos de proteção individual;
- Bens necessários à realização de testes à COVID-19;
- Equipamentos e material para unidades de cuidados intensivos;
- Medicamentos, incluindo gases medicinais;
- Outros dispositivos médicos;
- Serviços de logística e transporte, incluindo aéreo, relacionados com as aquisição e distribuição dos referidos bens;
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- Nestes casos, o procedimento de ajuste direto simplificado só pode ser adotado excecionalmente, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, não imputável à entidade adjudicante, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental.
- Mais dispõe o referido diploma que poderão ser feitos, pelas referidas entidades, pagamentos por conta de encomendas, no mercado nacional ou internacional, com dispensa das formalidades de importação.
- A produção de efeitos desta medida retroage à data de 13 de março de 2020.
Martim Pita Negrão
Sócio
Manuel Minas
Advogado Associado
Impactos do COVID-19 na Contratação Pública
Como seria de esperar, o Governo aprovou várias medidas excecionais e temporárias de reposta à pandemia provocada pelo COVID-19, através do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aplicáveis às entidades do setor público empresarial e do setor público administrativo e às autarquias locais, que poderão ser aplicadas nos procedimentos relacionados com a prevenção, contenção, mitigação e tratamento do COVID-19.
Destacamos aqui as principais medidas adotadas.
I. Medidas excecionais e temporárias de reposta
Regime excecional em matéria de contratação pública (com vista, essencialmente, à flexibilização dos respetivos procedimentos de contratação):
- Alargamento da possibilidade de escolha dos seguintes procedimentos:
i) Na medida do estritamente necessário e com fundamento em urgência imperiosa, as entidades adjudicantes, independentemente da sua natureza – sejam o Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, entidades administrativas independentes, institutos públicos, fundações públicas, associações públicas e “organismos de direito público” –, ficam autorizadas a recorrer ao ajuste direto(procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha a apresentar uma proposta), sem limite de valor, para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, desde que relacionados com o COVID-19; e
ii) Ajuste direto simplificado(procedimento que está dispensado de formalidades e em que a adjudicação pode ser feita sobre uma fatura ou documento equivalente, apresentada pela entidade adjudicante) na celebração de contratos de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços, de valor igual ou inferior a € 20.000,00 (o que corresponde a um significativo aumento do preço contratual permitido para este procedimento, que se encontra legalmente fixado em € 5.000,00), na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa.
- Afastamento da aplicação dos seguintes limites à contratação:
(i) proibição de convite de operadores económicos com quem a entidade adjudicante tenha celebrado contratos nos três anos económicos anteriores; e
(ii) necessidade de adoção do procedimento de consulta prévia quando o recurso a mais de uma entidade seja possível;
- Os contratos celebrados ao abrigo do presente regime excecional, independentemente da sua redução ou não a escrito, podem produzir todos os seus efeitos logo após a adjudicação. Sem prejuízo da simplificação processual, continua a ser obrigatória a publicitação dos contratos no Portal dos Contratos Públicos;
- A entidade adjudicante poderá efetuar adiantamentos do preço quando esteja em causa a garantia da disponibilização, pelos operadores económicos, dos bens e serviços objeto do presente regime excecional, sem que seja necessário prestar caução e sem que tais adiantamentos estejam limitados a 30% do preço contratual;
- Dispensa de autorização prévia na exceção para aquisição centralizada de bens ou serviços abrangidos por acordo-quadro para as entidades abrangidas pelo Sistema Nacional de Compras Públicas;
- Ficam isentos de fiscalização prévia do Tribunal de Contas os contratos abrangidos pelo presente regime excecional, devendo, ainda assim, os contratos ser remetidos ao Tribunal de Contas, para conhecimento, até 30 dias após a respetiva celebração.
Regras excecionais em matéria de autorização de despesa:
- Deferimento tácito, no prazo de 24 horas, de pedidos de despesa que dependam de autorização da tutela financeira e setorial – tais pedidos ficam ainda dispensados de fundamentação;
- Deferimento tácito, no prazo de 3 dias, de despesas plurianuais que resultem deste regime excecional, após apresentação do pedido de autorização através de portaria de extensão de encargos junto do membro do Governo responsável pela área das finanças; e
- Deferimento tácito, no prazo de 3 dias, de pedidos de descativação de verbas para o cumprimento dos objetivos deste regime excecional.
Regime excecional em matéria de autorização administrativa:
- Afastamento da necessidade de autorização administrativa para a decisão de contratar a aquisição de serviços cujo objeto seja a realização de estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria, bem como quaisquer trabalhos especializados no âmbito do objeto do regime de exceção.
II. Prazos administrativos
No que respeita à questão dos prazos foram, também, tomadas algumas medidas:
- Foram suspensos os prazos de cujo decurso decorra o deferimento tácito, pela administração pública, de autorizações e licenciamentos requeridos por particulares, bem como dos processos não requeridos por particulares no âmbito da avaliação de impacte ambiental;
- Foram também suspensos os prazos administrativos que corram a favor de particulares (aqui se incluindo, por exemplo e por força do disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, os prazos de pronúncia em sede de audiência prévia);
- De acordo com o disposto na Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, esta suspensão de prazos não se aplica:
(i) ao contencioso pré-contratual previsto no Código de Processo dos Tribunais Administrativos;
(ii) aos procedimentos de contratação pública previstos no Código dos Contratos Públicos, sendo que, neste caso, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, prevê que os prazos que foram suspensos pela redação inicial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, retomam a sua contagem na data da entrada em vigor do diploma que procedeu à sua alteração, ou seja, a 7 de abril de 2020.
- As licenças, autorizações ou outro tipo de atos administrativos mantêm-se válidos, independentemente do decurso do respetivo prazo, durante a vigência do estado de emergência.
III. Processos de contratação pública em curso
Relativamente aos processos de contratação pública em curso chamamos a atenção para as seguintes situações:
Decisão de não adjudicação:
- A presente situação de emergência em matéria de saúde pública poderá motivar uma decisão de não adjudicação pela entidade adjudicante.
- A Lei prevê que possam ser causas de não adjudicação a verificação:
(i) circunstâncias imprevistas, que obriguem à alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento; ou de
(ii) circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar.
Possibilidade de retirar uma proposta já apresentada num procedimento de contratação pública:
- As perturbações decorrentes da situação de emergência em matéria de saúde pública podem, em abstrato, servir de fundamento para a desvinculação do concorrente à proposta apresentada.
- O pedido de desvinculação deverá, em todo o caso, ser devidamente fundamentado e deverá ser alegado que as circunstâncias atuais tornam impossível ou excessivamente oneroso o cumprimento da proposta em causa.
Dever acrescido de colaboração por parte do contraente público:
- Enquanto durar a presente situação de emergência, o contraente público, na execução dos contratos, deverá promover pela celeridade na realização dos pagamentos a terceiros como contrapartida pelo fornecimento de bens e serviços.
- O contraente público poderá também efetuar adiantamentos do preço nas condições melhor descritas no ponto I.
Cumprimento das obrigações contratuais
- Coloca-se a questão de saber o que acontece quando um cocontratante, em virtude da atual conjuntura, se vê na impossibilidade de cumprir, total ou parcialmente, obrigações previstas no contrato administrativo.
- Em abstrato, a crise decorrente do Covid-19 poderá configurar um caso de força maior, desde que se comprove que essa situação resulta diretamente numa impossibilidade, total ou parcial, temporária ou definitiva, de cumprimento de uma obrigação contratual.
- Verificando-se uma situação de impossibilidade temporária, a Lei prevê expressamente a possibilidade de suspensão do contrato pelo período de tempo necessário à cessação dessa impossibilidade.
- Já uma eventual situação de impossibilidade definitiva poderá ser configurada, ao abrigo da Lei, como uma causa de extinção do contrato.
- Em qualquer um dos casos, será sempre necessário analisar de forma cautelosa as cláusulas contratuais e a situação concreta das partes, bem como a situação de impossibilidade, total ou parcial, de cumprimento do contrato e as respetivas causas.
- O cocontratante deverá manter sempre uma relação de total transparência com o contraente público, informando-o antecipadamente de eventuais impossibilidades de cumprimento, por forma a evitar que se verifiquem prejuízos para o contraente público.
- Do lado do contraente público, este poderá unilateralmente modificar ou resolver o contrato por razões de interesse público, desde que a decisão seja devidamente fundamentada. No primeiro caso, o cocontratante terá direito à reposição do equilíbrio financeiro, já no segundo caso, o cocontratante terá direito ao pagamento de uma indemnização, que incluirá a compensação por danos emergentes e lucros cessantes.
Martim Pita Negrão
Sócio
Manuel Minas
Advogado Associado