Prorrogação da situação de calamidade e o fim da suspensão dos prazos judiciais
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, veio prorrogar a declaração da situação de calamidade, em todo o território nacional, até às 23:59h do dia 14 de junho, e estabelecer um quadro excecional distinto e menos restritivo que visa dar continuidade ao processo de desconfinamento iniciado a 30 de abril de 2020.
De um modo geral, a referida Resolução prevê e regula a reabertura de muitos estabelecimentos e a retoma de várias atividades, como estabelecimentos de comércio a retalho, eventos, como sejam cerimónias religiosas, casamentos, batizados (com um limite máximo de 20 pessoas), feiras e mercados, monumentos, palácios, sítios arqueológicos, salas de espetáculos, etc., bem como o alargamento da capacidade máxima de alguns espaços, como os restaurantes (para 50%).
No entanto, as medidas excecionais fixadas pelo Governo na mencionada Resolução, bem como as aprovadas durante as primeiras duas fases de desconfinamentonão trouxeram quaisquer alterações em matéria de justiça e tribunais.
Assim, no que a esta matéria diz respeito, manteve-se, até agora, quer a suspensão dos prazos judiciais (com ressalva dos processos urgentes que não estavam suspensos), quer o cenário de encerramento das salas dos tribunais e correlativo cancelamento e adiamento das diligências processuais (com exceção dos processos cuja tramitação deve ser assegurada e/ou corram junto de tribunais que reúnam todas as condições de segurança).
Já a terceira etapa de desconfinamento, com início no dia 1 de junho de 2020,trouxe alterações legislativas com impacto significativo na atividade dos tribunais e na tramitação dos processos judiciais, com a aprovação da Lei n.º 16/2020, de 29 maio, a qual, para o que aqui nos ocupa, vem proceder à:
- Quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.ºs4-A/2020 e 4-B/2020, ambas de 6 de abril, e n.º 14/2020, de 9 de maio, que aprova as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19;
- Décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.os 10-E/2020, de 24 de março, e 12-A/2020, de 6 de abril, pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, e 5/2020, de 10 de abril, e pelos Decretos-Leis n.os 14-F/2020, de 13 de abril, 18/2020, de 23 de abril, 20/2020, de 1 de maio, 20-A/2020, de 6 de maio, 20-C/2020, de 7 de maio, 20-D/2020, de 12 de maio, e 22/2020, de 16 de maio, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus.
A Lei n.º 16/2020, de 29 maio foi publicada no dia 29 de maioe entrou em vigor 5 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 3 de junho de 2020.
Vejamos as alterações trazidas com a aprovação da Lei n.º 16/2020, de 29 maio.
I. Alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem estatuir um regime processual transitório e excecionalpara a prática de atos no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
Diligências processuais
Quanto à realização de audiências de discussão e julgamento, bem como outras diligências que importem a inquirição de testemunhas, o novo regime vem determinar que:
- Realizam-se presencialmentee com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, de higiene e sanitárias definidas pela Direcção-Geral da Saúde;
- Quando não puderem ser feitas presencialmente, realizam-se através de teleconferência, videochamada ou outro equivalente, se tal não causar prejuízo aos fins da realização da justiça;
- Fica salvaguardada a prestação de declarações do arguido, o depoimento das testemunhas ou de parte, as quais devem ser sempre feitas num tribunal, salvo acordo das partes em sentido contrário. Nesse caso, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência deverá realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados;
- Salvaguarda-se a presença do arguido no debate instrutório e na sessão da audiência de julgamentoquando tiver lugar a prestação de declarações de arguido e/ou coarguido e o depoimento de testemunhas.
As demais diligênciasque requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, realizam-se:
- Preferencialmente através de teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
- Quando não puderem ser feitasatravés dos meios de comunicação à distância, realizam-se presencialmentee com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela Direcção-Geral da Saúde.
Não obstante o acima exposto, o legislador procurou acautelar alguns grupos mais vulneráveis, tendo determinado que se nas diligências processuais acima referidas intervierem partes, testemunhas ou mandatários maiores de 70 anos ou portadores de doença de risco, a videoconferência ou videochamada poderá ser feita a partir o seu domicílio legal ou profissional.
Tramitação dos prazos processuais
No que tange à tramitação dos prazos processuais e substantivos, o novo regime previsto na Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, mantém suspensos:
- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
- As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos acima identificados;
- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas presencialmente (atento os limites máximos definidos pela DGS), por videoconferência, videochamada ou outro equivalente, prevalecendo sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos;
- Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas de imóveis suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, desde que o incidente seja suscitado e a decisão do tribunal seja favorável;
II. Alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março
Justo impedimento
O Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, foi o primeiro diploma a estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias para fazer face ao quadro de crise de saúde pública gerada pela doença COVID-19.
No que à matéria da justiça e tribunais diz respeito, o referido Decreto-Lei veio determinar que o isolamento oficialmente decretado por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários, constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais, considerando-se como falta justificada e motivo de adiamento de diligências processuais.
A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem aditar uma nova alínea à redação original e, bem assim, alargar o âmbito de aplicação das causas e fundamentos para a alegação de justo impedimento, ao estabelecer que a declaração de isolamento acima referida também constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais que podem ser praticados remotamente(por exemplo, através das plataformas digitais Citius, Sitaf, Plataforma dos Inventários, etc.) quando o sujeito não tenha acesso a meios de comunicação à distância ou esteja incapacitado por infeção por COVID-19 para os praticar.
Prazos administrativos
A este respeito, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, vem estatuir as seguintes regras com impacto na contagem e vencimento dos referidos prazos:
- Os prazos administrativos cujotermo original ocorreria durante a vigência do regime excecional, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei;
- Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão decretada ao abrigo da situação excecional, não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos i) no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data; ii) na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.
O legislador vem, ainda, determinar expressamente que as regras de contagem e vencimento dos prazos acima referidas não se aplicam aos prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional.
Prazos de prescrição e caducidade
Ao abrigo do regime excecional e temporário, o legislador veio determinar, também, a suspensão dos prazos de prescrição e caducidadede todo o tipo de processos e procedimentos nas várias jurisdições.
Quanto a esta questão, importa salientar que a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio prevê, de forma expressa, que os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas por essa mesma Lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
O legislador, ao definir que ao período de suspensão corresponde um alargamento dos prazos, procura acautelar que o decurso do tempo durante o estado de emergência e, subsequente, transição para situação de calamidade, não tenha relevância, nem produza os efeitos jurídicos decorrentes da verificação das causas de caducidade e prescrição de direitos.
Norma revogatória
Por fim, mas de crucial importância, a Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, introduziu uma norma revogatória, nos termos da qual são expressamente revogados o artigo 7.º e os nºs 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.
O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (na sua redação atual), sob a epígrafe prazos e diligências, determinou, como regra geral, a suspensão dos prazos processuais e procedimentos a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos perante tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.
Por sua vez, o artigo 7.º-A da mesma lei, veio regular especificamente a suspensão dos prazos no âmbito do contencioso pré-contratual (contratação pública), durante o período excecional e temporário de combate e resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus.
Significa isto que a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, no 5º dia posterior ao da sua publicação, ou seja, em 3 de junho de 2020, determinará a cessação dos efeitos do regime excecional para prazos e diligências processuais e procedimentaisinstituído pela Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de março.
A revogação do mencionado artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, faz também cessar a suspensão dos prazos que ainda estava em vigor para matérias não urgentes nos procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias.
Assim, no dia 3 de junho de 2020, verificar-se-á o termo da regra geral da suspensão dos prazos processuais e procedimentaisem vigor desde o passado dia 9 de março de 2020 e, por conseguinte, passará a aplicar-se, a partir dessa data, o regime processual e transitórioestabelecido pela quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, melhor explicado no ponto I supra.
Em todo o caso, importa notar que as restantes medidas adotadas pela Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de março, com impacto em matérias de direito processual e substantivo (como, por exemplo, o regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários) que não tenham sido objeto de alteração ou revogação por via da presente lei, continuam em vigor.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada
Situação de calamidade e a suspensão dos prazos processuais
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, veio declarar a situação de calamidade, em todo o território nacional, até às 23:59h do dia 17 de maio de 2020, e estabelecer um conjunto de restrições, suspensões e encerramentos menos intenso do que aquele que vigorou no contexto do estado de emergência.
Relativamente à matéria de justiça e tribunais, a presente Resolução adiantou apenas que, no quadro da situação de calamidade pública, consideram-se autorizadas as deslocações para participação em atos processuais junto das autoridades judiciárias ou em atos da competência de notários, advogados, solicitadores e oficiais de registo.
No entanto, nada determinou quando à tramitação dos prazos processuais, levantando-se, assim, a questão de saber se a aprovação do presente diploma determinou ou não o fim da suspensão dos prazos para a prática de atos processuais decretada no âmbito do estado de emergência. Ou seja, a questão que se coloca é a de saber se os prazos continuam ou não suspensos.
É a esta questão que procuramos dar resposta neste Flash Informativo.
I. Os prazos processuais e substantivos em geral
Nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (na versão introduzida pelas Leis n.ºs 4-A/2020 e 4-B2020, de 6 de abril) que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a definir por decreto-lei.
Uma vez que do levantamento do estado de emergência e correlativa declaração de situação de calamidade pública pelo Governo, que entrou em vigor no passado dia 3 de maio, não resultou a cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e que, até ao momento, não foi aprovado nenhum decreto-lei que determinasse a referida cessação ou que revogasse a aplicação e os efeitos da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, entendemos que a suspensão ou interrupção dos prazos determinada pela referida lei mantém-se (e irá manter-se) até que o Governo determine, por decreto-lei, o fim da situação excecional. Quer isto dizer que os prazos processuais e substantivos se mantêm, na presente data, suspensos nos termos e com as limitações da referida Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
II. O caso particular dos prazos em matéria de arrendamento
Contudo, o legislador veio estender e concretizar o regime da suspensão dos prazos em matéria de arredamento, através da Lei n.º 14/2020, de 9 de maio, que procedeu à terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Assim, com o objetivo de proteger os arrendatários, o Governo aprovou um regime excecional e temporário de contagem dos prazos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, tendo determinado que ficam suspensos até 30 de setembro de 2020:
a) A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
b) A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
c) A produção de efeitos da revogação, da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
d) O prazo previsto para a restituição do prédios em virtude da caducidade do contrato, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as medidas;
e) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
Assim sendo, desde o dia 10 de maio e até 30 de setembro 2020, a contagem dos prazos dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional ou das suas renovações e a execução de hipotecas sobre habitação própria e permanente encontram-se suspensos.
Assim, durante o referido período, haverá um alargamento dos prazos de vigência dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional e dos prazos de execução de hipotecas.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada
Estado de emergência: justo impedimento, férias judiciais ou justiça paralisada?
No que diz respeito a esta matéria devemos atender, essencialmente, a dois momentos distintos.
- O primeiro momento prende-se com o quadro legal e normativo imediatamente prévio à declaração do estado de emergência decretado em todo o território, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, e aos diplomas aprovados no contexto e na pendência do mesmo.
- O segundo momento, diz respeito às alterações produzidas no quadro legal e normativo com a renovação do estado de emergência, através do Decreto do Presidente da Repúblicaº17-A/2020, de 2 de abril.
Diplomas legais relevantes:
- Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece as medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica;
- Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que procede à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, e à aprovação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19;
- Lei 4-A/2020, de 6 de abril, que procede à primeira alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020;
- Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril, que estabelece as normas excecionais e temporárias destinadas à prática de atos por meio de comunicação à distância, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
I. Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março
- Este foi o primeiro diploma a estabelecer um conjunto de medidas excecionais e temporárias para fazer face ao quadro de crise de saúde pública gerada pela doença Covid-19, tendo dedicado dois curtos capítulos aos atos e diligências processuais e ao decurso dos prazos.
Quais as medidas adotadas?
- Em síntese, o referido Decreto-Lei determinou o seguinte:
i) O isolamento oficialmente decretado por autoridade de saúde a favor de sujeito processual, parte, seus representantes ou mandatários constitui justo impedimento à prática de atos processuais e procedimentais, considerando-se como falta justificada e motivo de adiamento de diligências processuais;
ii) Em caso de encerramento das instalações ou de suspensão do atendimento presencial no município de residência dos sujeitos processuais, partes, seus representantes ou mandatários, considera-se suspenso o prazo para a prática de atos processuais ou procedimentais a partir do dia do encerramento ou da suspensão do atendimento até declaração de reabertura;
iii) Os documentos suscetíveis de renovação que tenham expirados, na data da entrada em vigor do diploma ou nos 15 dias imediatamente anteriores ou posteriores, serão aceites pelas autoridades públicas. Até 30 de junho de 2020, também serão aceites o cartão de cidadão, as certidões e certificados emitidos pelos serviços de registo e identificação civil, a carta de condução e os vistos de permanência em território nacional, cuja validade termine a partir da data da entrada em vigor do presente diploma.
Qual a data da produção de efeitos?
- No que concerne à data de produção dos seus efeitos, o referido Decreto-Lei estipulou, como prazo geral, o dia da sua aprovação (12 de março de 2020), tendo, no entanto, introduzido duas exceções. Uma das exceções prende-se com as disposições que contendem com o sistema judicial, designadamente, as disposições a quese alude em i) e iii) supra, as quais, de acordo com o Decreto-Lei 10-A/2020, produzem os seus efeitos desde 9 de março de 2020.
II. Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
- Em face da evolução e agravamento da situação epidemiológica e correlativo decretamento do estado de emergência, no dia 18 de março, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, as medidas excecionais e temporárias foram reforçadas e densificadas pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março que procede à execução do estado de emergência.
Qual a data da produção de efeitos?
- A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entrou em vigor no passado dia 20 de março de 2020.
- No entanto, além de consagrar que o conteúdo do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, é parte integrante da presente lei (Lei n.º 1-A/2020), produzindo efeitos desde a data de produção de efeitos daquela, veio estipular expressamente que os efeitos retroagem à data da produção dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
- Porém, uma vez que o legislador estabeleceu três momentos diferentes para a produção dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (3, 9 e 12 de março, sendo que para o tema em apreço apenas relevam as datas de 9 e 12 de março), levanta-se a questão de saber se os efeitos da Lei n.º 1-A/2020 retroagem a 9 ou a 12 de março?
- O legislador não concretizou esta questão, levantando-se, a este propósito, dúvidas de interpretação e aplicação desta Lei. No entanto, atendendo a que, no que a matérias judiciais diz respeito, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, entrou em vigor no dia 9 de março de 2020, entendemos que os efeitos produzidos pela introdução da Lei n.º 1-A/2020, de 9 de março, devem retroagir a essa mesma data.
Quais as medidas adotadas?
- Com o desígnio de coadunar a proteção da saúde pública e das pessoas com o adequado funcionamento da justiça e dos tribunais, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março veio determinar a suspensão dos atos processuais e procedimentais praticados junto de todos os tribunais e de outros órgãos jurisdicionais, aplicando-se o regime das férias até à cessação da situação excecional decretada por decreto-lei.
- Assim sendo, entendemos que ao abrigo da presente Lei os prazos processuais encontram-se suspensos desde o dia 9 de março de 2020.
- É importante realçar que, neste período, à semelhança do que habitualmente sucede durantes as férias judiciais, os tribunais encontram-se em funcionamento, podendo ser expedidas citações, notificações às partes, bem como ser proferidos despachos e sentenças, não obstante os prazos estarem genericamente suspensos.
- No entanto, apesar de o legislador ter optado por aplicar à presente suspensão o regime legal das férias judiciais, existem algumas especificidades que merecem ser destacadas.
Processos urgentes?
- No regime das férias judiciais só são tramitados os processos considerados urgentes nas diferentes jurisdições. No entanto, prevê a Lei em análise que nos processos urgentes o prazo suspende-se, salvo determinadas circunstâncias ali, igualmente, previstas e que analisaremos de seguida.
- O sistema judiciário garante, assim, a prática de diligências urgentes sempre e quando:
i) seja tecnicamente viável a prática de atos processuais e procedimentais através de teleconferência ou videochamada; e
ii) estejam em causa a realização de diligências processuais presenciais urgentíssimas, i.é., que contendam com direitos fundamentais, designadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.
- Tendo em consideração a letra da Lei e os mecanismos conferidos aos sujeitos processuais, partes, seus representantes e mandatários nas várias jurisdições, entendemos que todos os atos processuais urgentes e não presenciais continuam a ser tramitados, como é o caso da apresentação de articulados, requerimentos e alegações que possam ser tramitados eletronicamente.
- Significa isto que, se no caso concreto, não for tecnicamente viável e/ou possível a produção de prova com recurso a estes meios, os prazos processuais, ainda que urgentes, encontram-se suspensos.
- Por fim, o legislador procurou, também, assegurar a prática de atos urgentes presenciais no âmbito dos processos em que estão em causa direitos fundamentais e expressamente previstos neste normativo. Assim, estes prazos processuais não se suspendem, a não ser que se verifique que, no caso concreto, a realização presencial da diligência implica a reunião de um número de pessoas superior ao indicado pelas orientações e recomendações emitidas pelas entidades de saúde.
Prazos substantivos?
- Estes prazos respeitam ao período de tempo dentro do qual os direitos materiais podem ser exercidos pelos seus titulares, sendo aplicável aos prazos substantivos as regras da caducidade ou da prescrição quando expressamente prevista.
- O legislador veio também determinar, de forma expressa, a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade de todo o tipo de processos e procedimentos nas várias jurisdições.
- O legislador procurou acautelar, assim, que o decurso do tempo nesta fase incerta e imprevisível não conduza à verificação das causas de caducidade e prescrição de direitos que dificilmente seriam e serão exercidos em condições de normalidade. Tendo, ainda, feito a ressalva de que a suspensão em causa prevalece sobre quaisquer regimes que prevejam prazos máximos e imperativos de prescrição ou caducidade.
Prazos administrativos?
- O legislador teve, igualmente, a preocupação de prever a suspensão dos prazos dos processos e procedimentos que correm junto dos cartórios notariais (como é o caso dos processos de inventário) e das conservatórias (como, por exemplo, os processos divórcio por mútuo consentimento, de regulação do exercício das responsabilidades parentais, entre outros).
Prazos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares?
- Por fim, foi ainda determinada a suspensão dos prazos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares que corram termos junto de todas as entidades administrativas que façam parte da administração direta e indireta do Estado, bem como das entidades administrativas independentes como o Banco de Portugal e a Comissão de Valores Mobiliários.
Instâncias já suspensasà data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março?
- Por último, poder-se-á referir que para as instâncias já suspensas à data da entrada em vigor do diploma em análise, estaremos perante um alargamento do prazo de suspensão, uma vez que, à exceção dos processos considerados urgentes, o prazo de suspensão da instância decretado antes da entrada em vigor é retomado no momento em que cessar a suspensão excecional agora determinada.
III. Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril
- Com a renovação do estado de emergência, entre os dias 2 e 17 de abril, através do Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, assistiu-se, em termos gerais, a um reforço e agravamento das medidas excecionais e temporárias de resposta à crise de saúde pública gerada pela doença Covid-19. De entre as várias medidas, o legislador veio estabelecer um conjunto de novas medidas com impacto na tramitação de processos e na realização de diligência processuais, através da aprovação da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, que procede à primeira alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020.
Quais as medidas adotadas?
- O diploma em causa veio, por um lado, introduzir importantes alterações e, por outro, esclarecer algumas dúvidas na interpretação e aplicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
- No que concerne à tramitação processual e procedimental de processos que corram termos junto dos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, Julgados de Paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, determinou que ficam suspensos até à cessação da situação excecional.
- O legislador veio afastar a aplicação do regime das férias judiciais e determinar, como regra geral, a suspensão de todos os processos, afastando, assim, qualquer dúvida que a aplicação daquele regime ao presente quadro excecional pudesse suscitar.
- A regra passou, assim, a ser a da suspensão dos prazos ope legis. No entanto o legislador procurou assegurar a prática de alguns atos, determinando que a suspensão não obsta à prática dos seguintes atos:
i) Prática de atos processuais através das plataformas digitais e outros meios, desde que todas as partes consideram que existem condições para tal;
ii) Prolação de sentenças em processos relativamente aos quais se entenda que não é necessária a realização de mais diligências;
iii) Prática de atos a realizar em sede de processo executivo, cuja suspensão cause grave prejuízo à subsistência do exequente ou prejuízo irreparável.
Processos urgentes?
- O legislador veio, no entanto, estipular algumas exceções à regra geral da suspensão dos prazos e diligências processuais, designadamente no que respeita aos processos urgentes. Assim, os processos de natureza urgente continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, realizando-se os atos e diligências nos seguintes moldes:
i) Através de meios de comunicação à distância adequados;
ii) Não sendo possível através dos meios acima indicados, podem realizar-se presencialmente desde que estejam em causa processos que contendam com a vida, integridade física, saúde mental, liberdade ou subsistência imediata dos intervenientes, desde que não implique a presença de aglomerado de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde;
iii) Não sendo possível recorrer a nenhum destes mecanismos, os processos ficam suspensos.
- O legislador estendeu o conceito de urgência a processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias, lesados ou ameaçados de lesões por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais e relativos a menores em risco ou processo tutelares de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.
Qual a data da produção de efeitos?
- A Lei em análise entrou em vigor no passado dia 7 de abril, produzindo os seus efeitos a partir dessa data. No entanto e uma vez que veio produzir alterações significativas em matérias de tramitação processual, levanta-se a questão de saber como se coaduna a solução normativa prevista na primeira redação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que assentava na aplicação do regime-regra das férias judiciais e na suspensão dos processos de natureza urgente (à exceção dos urgentíssimos), com o novo regime geral de suspensão dos prazos e tramitação dos processos urgentes?
- Quanto a esta questão consideramos que a resposta passará por considerar que os prazos processuais nos processos urgentes (à exceção dos urgentíssimos) estiveram suspensos entre o dia 9 de março e 7 de abril de 2020 e retomaram o decurso no dia da entrada em vigor da Lei em análise.
IV. Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril
Quais as alterações com impacto na forma de tramitação dos processos?
- O Decreto-Lei n.º 16/2020, de 15 de abril, em vigor até ao próximo dia 30 de junho de 2020, veio prever um conjunto de mecanismos que visam agilizar a tramitação dos processos de natureza urgente a correr termos nos Julgados de Paz, dar continuidade aos procedimentos e atos de registo e assegurar a tramitação de procedimentos junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. (INPI, I.P.).
- Em concreto, o presente diploma veio determinar o seguinte:
i) Para a prática de atos processuais urgentes em processos que correm os seus termos nos Julgados de Paz, podem ser utilizados meios de comunicação à distância (correio eletrónico, telefone, teleconferência ou videochamada);
ii) As comunicações efetuadas pelas secretarias e Juízes de Paz, pelos conservadores de registo e pelos oficiais e funcionários do INPI são realizadas através de endereço eletrónico;
iii) Os pedidos de registo civil, automóvel, comercial e predial que não possam ser efetuados on-line, podem ser remetidos para o endereço de correio eletrónico respetivo.
Mafalda Vaz Pinto
Sócia
Rafaela Oliveira
Advogada Associada