No passado dia 5 de novembro, a Assembleia da República aprovou alterações significativas ao regime do teletrabalho previsto no Código do Trabalho. Complementarmente, foram também introduzidas alterações ao Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.
Este novo diploma entrará em vigor no 1.º do mês seguinte ao da sua publicação em Diário da República, expectando-se que tal publicação ocorra ainda em 2021.
Seguem-se, então, 10 questões sobre o novo regime do teletrabalho:
1. Qual o conceito de teletrabalho?
Passa a considerar-se teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, mediante o recurso a novas tecnologias de informação e comunicação.
2. Qual a forma e quais as formalidades do acordo de teletrabalho?
Forma: a aplicação do regime de teletrabalho mantém-se dependente de acordo escrito, podendo ficar estipulado no contrato de trabalho inicial ou em documento autónomo.
Formalidades: as menções obrigatórias do acordo de teletrabalho são agora alargadas. A título de exemplo, o acordo de teletrabalho, para além de definir o regime de permanência ou de alternância dos períodos de trabalho presencial e à distância, deverá passar a conter, nomeadamente, o modo de concretização dos contactos pessoais, o horário de trabalho, o local de prestação habitual do trabalho e a especificação das prestações complementares e acessórias.
De salientar que, no decurso do acordo, o local de trabalho pode ser alterado por via de acordo entre as partes.
3. Qual a duração do regime de teletrabalho?
O acordo de teletrabalho pode ser de duração:
Determinada: não podendo exceder 6 meses de duração, renováveis automaticamente por iguais períodos, exceto se alguma das partes declarar por escrito, com 15 dias de antecedência em relação ao termo do prazo, a sua intenção de não renovar o acordo.
Indeterminada: qualquer das partes pode fazer cessar o acordo através de comunicação escrita à outra parte, a qual apenas produzirá efeitos no 60.º dia posterior.
De notar ainda que, nos primeiros 30 dias de execução, qualquer uma das partes pode fazer cessar o acordo de teletrabalho.
4. As partes podem recusar a prestação de trabalho em regime de teletrabalho?
Se o teletrabalho for proposto:
Pelo empregador: o trabalhador pode opor-se sem qualquer fundamento, não constituindo tal oposição causa de despedimento nem sendo suscetível de aplicação de qualquer sanção.
Pelo trabalhador: tratando-se de atividade compatível com o teletrabalho, o empregador apenas pode recusar por escrito e fundamentadamente.
5. Como funciona o pagamento de despesas relacionadas com o teletrabalho?
Todas as despesas adicionais e devidamente comprovadas suportadas pelo trabalhador como consequência direta da aquisição e uso de equipamentos, inclusive com custos de energia e rede, bem como com a manutenção dos mesmos, relativos à prestação de teletrabalho, passam a ser integralmente compensadas pela entidade empregadora.
Tais despesas são aferidas por comparação ao montante relativo ao mês homologo do último ano anterior à aplicação do acordo de teletrabalho.
Passou a estar expressamente previsto que, para efeitos fiscais, a compensação em apreço é considerada um custo para o empregador e não constitui um rendimento para o trabalhador.
6. Como se concretiza o direito à privacidade?
O documento ora em apreço estabelece vários mecanismos para proteção da privacidade do teletrabalhador, a saber:
- A visita ao local de trabalho passa a estar sujeita ao cumprimento de um aviso prévio de 24 horas e à concordância do trabalhador;
- A visita ao local de trabalho apenas pode visar o controlo da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho;
- É expressamente proibida a captura e utilização de imagem, de som, de escrita, de histórico ou recurso a outros mecanismos de controlo suscetíveis de afetar o direito à privacidade do trabalhador.
7. Que deveres especiais impendem sobre o empregador?
Para além dos deveres gerais constantes do Código do Trabalho, a entidade empregadora deve ainda, designadamente:
- Informar o trabalhador das características e do modo de utilização dos equipamentos, sistemas e programas de acompanhamento à distância da sua prestação laboral;
- Não contactar o trabalhador no seu período de descanso, salvo nos casos de força maior;
- Tomar providências com vista à redução do isolamento do trabalhador. Para este efeito, o acordo de teletrabalho deve prever a periodicidade dos contactos presenciais entre o trabalhador e a sua estrutura hierárquica e demais trabalhadores. Caso o acordo de teletrabalho não preveja tal periodicidade, os referidos contactos não se devem realizar com intervalos superiores a dois meses;
- Garantir e custear as ações de manutenção e de correção de avarias dos equipamentos e sistemas utilizados no teletrabalho;
- Consultar, por escrito, o trabalhador antes de proceder a alterações nos equipamentos e sistremas utilizados na prestação de trabalho;
- Ministrar formação profissional com vista ao uso adequado e produtivo dos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de teletrabalho.
8. Em que outras situações passa a ser obrigatória a aplicação do regime de teletrabalho?
Passam a poder requerer a prestação de teletrabalho:
1. Os trabalhadores com filhos até aos 8 anos, nas seguintes circunstâncias:
a. Nos casos em que ambos os progenitores reúnem condições para o exercício da atividade em regime de teletrabalho, desde que este seja exercido por ambos em períodos sucessivos de igual duração num prazo de referência máxima de 12 meses;
b. No caso de famílias monoparentais ou situações em que apenas um dos progenitores, comprovadamente, reúne condições para o exercício da atividade em regime de teletrabalho.
De notar que, para os efeitos deste ponto, a entidade empregadora não pode ser uma microempresa.
2. A quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, quando esteja em causa atividade compatível e o empregador disponha de meios para o efeito, pelo período máximo de 4 anos seguidos ou interpolados. De notar que a entidade empregadora pode opor-se à prestação de teletrabalho com fundamento em exigências imperiosas do serviço da empresa.
9. Existem outros mecanismos de controlo da atividade laboral?
Ficou estabelecido que:
- As reuniões de trabalho à distância e as tarefas que devam ser realizadas em tempos concretos e em cooperação/articulação com outros trabalhadores, devem ser efetuadas no horário de trabalho e preferencialmente agendadas com 24 horas de antecedência.
- A comparência nas instalações da empresa ou noutro local designado pelo empregador, para reuniões, ações de formação ou para outras situações que careçam da presença física do trabalhador, é obrigatória, desde que o trabalhador tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência.
10. Qual a relação com a contratação coletiva de trabalho?
Em matéria de teletrabalho, as normas reguladoras de contrato de trabalho (designadamente as constantes do Código do Trabalho) podem ser afastadas por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho, se este prever um regime mais favorável para os trabalhadores.
Graça Quintas
Head of Employment Law
Coordenadora do Departamento de Laboral
Luísa Pestana Bastos
Advogada Associada do Departamento de Laboral